terça-feira, 31 de janeiro de 2012

UNIVERSIDADES PÚBLICAS: a meritocracia é justa ou injusta?


Publicado na 
FOLHA DIRIGIDA - 30 de janeiro a 5 de fevereiro de 2012 - na ÁREA JURÍDICA, pg. 23.

por Daniel Chignoli *, Frei David Santos * Reinaldo J. de Oliveira *

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A USP, maior universidade do Brasil e uma das cem melhores do mundo, completou 78 anos, com uma história de  contradições junto ao povo brasileiro e, principalmente, negro e pobre. A USP insiste em ignorar que São Paulo é o estado com a maior população negra do Brasil. Cabe perguntar: quem se alegra e comemora o aniversário dessa universidade? Quem ganhou e ganha com ela?
Longe do lugar-comum de que “o rigor da meritocracia” é fundamental para o bom desempenho da universidade, e isto impede que haja negros e pobres nos campi, é preciso ir além. Deve-se perguntar o que provocou a exclusão dos negros e pobres. Será que os dirigentes da USP já refletiram que existe a meritocracia justa e a injusta? Não seria este o instrumento perverso de exclusão?
Todos sabem que há negros na comunidade da USP, mas são ignorados pelos demais, invisíveis à maioria dos alunos, professores e dirigentes. Os negros e pobres são os trabalhadores da universidade, aqueles que movem as engrenagens das inúmeras atividades — da limpeza à burocracia. São homens e mulheres que trabalham sem qualquer esperança de um dia eles ou seus filhos usufruírem da universidade, que é pública e paga por seus impostos.
A USP é mantida pela arrecadação do ICMS – um imposto que incide sobre toda compra e venda, principalmente da passagem de ônibus, do arroz, do feijão, etc., e pago por todos nós, principalmente os pobres. Ora, se todos consomem, e há muito mais pobres do que ricos, é gritante que a USP – com sua estrutura visivelmente elitizada – é mantida por quem, no atual modelo se seleção, jamais conseguirá nela estudar. Em uma frase: é uma instituição mantida majoritariamente pelos pobres, e desfrutada em grande parte pelos ricos, que não devolvem quase nada ao saírem formados. Mais de 80% dos matriculados vêm de escolas particulares, quando, no Brasil, 88% do que terminam o ensino médio saem de escolas públicas!
Mesmo sem que tudo isso esteja explícito, não é de se admirar que o pobre povo pobre ignore a USP e a classifique como “reduto dos ricos”. A população apenas ignora, retribuindo a indiferença que recebeu nestes últimos 78 anos. Porém, o povo, através da Educafro e outras entidades de articulação comunitária, precisa se fortalecer e fazer mudar esta realidade.
É inadmissível que, ao lado do maior campus da USP – a Cidade Universitária, exista uma enorme favela, que nasceu e se desenvolveu paralelamente à história do campus. É inaceitável saber que os moradores tenham como única forma de adentrar naquelas avenidas e alamedas arborizadas o crachá de funcionário terceirizado da faculdade – uma forma moderna de continuar escravizando os trabalhadores das camadas mais sofridas da sociedade.

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É chegada à hora de a universidade pública cumprir seu papel de instituição verdadeiramente democrática e capaz de proporcionar melhores oportunidades para todos os brasileiros que pagam por ela. A USP não pode ficar no falso dilema de que mudar as regras do seu vestibular é rebaixar o nível da instituição. Ir contra a política de cotas é ir na contramão da História, visto que os cotistas negros e brancos estão concluindo seus cursos com média acadêmica igual ou superior aos não cotistas.

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Os 78 anos da USP é também uma triste celebração de quase oito décadas de descaso com o povo negro e pobre de São Paulo e do Brasil. Excluído dos melhores postos de trabalho do país, de maneira deliberada, por políticas que não respeitam a diversidade étnica na contratação, como a São Paulo Fashion Week, pensadas e mantidas por políticos, os quais, outrora sentaram nos bancos de escolas, que comungam das mesmas ideias ultrapassadas. Lutamos para que a atual reitoria e conselho universitário da Universidade de São Paulo defendam estes novos paradigmas.
Na celebração dos 78 anos da USP trabalhemos para que ela reescreva sua história, de modo que todos possam participar como iguais, formados por uma instituição verdadeiramente pública. Sua qualidade pública não pode ser medida só pelas verbas que entram, mas também pelas pessoas que têm ingresso garantido, sem privilégios para os “bem-nascidos”.
Que ela reescreva sua história em páginas, nas quais todos possam participar como iguais, formados por uma instituição verdadeiramente pública. Sua qualidade pública não pode ser medida só pelas verbas que entram, mas pelas pessoas que tem seus ingressos garantidos, sem prioridade aos eurodescendentes. Assim a USP poderá estar repetindo a prática das grandes universidades do mundo, como Harvard, que tem programas de matrículas contemplando a diversidade étnica e geopolítica.

Frei David Santos é diretor da Educafro.
* Daniel Chignoli é acadêmico de Direito.
Reinaldo João de Oliveira é mestre em Teologia.


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Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

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