terça-feira, 24 de agosto de 2010

SABEDORIA DOS POVOS INDÍGENAS


SABEDORIA DOS POVOS - RESPONSABILIDADE PELA VIDA*
14 prolegômenos para um outro mundo possível


por Paulo Suess
Pelo contexto amazônico, os Fóruns FMTL e FSM tiveram uma conotação ecológica transversal. Na maior parte das Oficinas, a questão ecológica ainda foi isoladamente tratada. A articulação orgânica que existe entre ecologia, crescimento econômico e trabalho ainda não aconteceu. O texto aqui apresentado fornece um pano de fundo para se compreender algumas condições prévias dessa articulação ecossocial, mas não dispensa posteriores reflexões políticas em torno do tripé “ecologia, crescimento e trabalho” com propostas concretas de ação.

1. A ruptura que condensa a história
O outro mundo que almejamos já está em construção e estará sempre em construção. Sua realização plena seria o fim da história; sua realização permanente significa a aceleração e a concentração da história em busca de sentido. Nós aceleramos a história através da invocação da memória histórica daqueles momentos que significavam e continuam significando uma ruptura com o sistema de colonização. Na raiz dessa ruptura está a recusa dos povos indígenas, dos cabanos, dos quilombolas, das greves dos operários, da revolta dos estudantes de 68 e das mil recusas e interrupções sistêmicas ocorridas. Ao acelerar a história freamos o projeto civilizatório em curso. Nós realizamos, mesmo por pequenos instantes, o outro mundo possível através de novas práticas nas rachaduras do sistema idolátrico do mercado, do capital, da exploração, da futilidade e do tédio. São momentos de graça e sabedoria nos quais se condensa a história e para o projeto que procura levar a todos ao abismo.


 
2. Responsabilidade pela vida
A sabedoria não se dá por inteiro a nenhum povo ou indivíduo. Ela se dá a todos parcialmente. Por isso, precisamos uns dos outros para nos completar e aperfeiçoar. A sabedoria não se deixa aprisionar em agendas denominacionais, culturais ou ideológicas. A sabedoria é macroecumênica e cósmica. Ela é a irmã que não nos pertence. A sabedoria dos povos, essa prática de múltiplas rupturas com as forças que atentam contra a vida, não pode ser sistematizada por nós, nem codificada ou fechada numa vitrine para ser vista, guardada ou apreciada. Não conseguimos segurá-la, como não conseguimos segurar a onda do mar.

A sabedoria dos povos não brota do ser ou de uma ontologia a-histórica. A sabedoria é historicamente construída, portanto, é práxis condensada nos momentos de ruptura, nos momentos em que a esperança rompe com o desespero e o desejo, em que o pequeno Davi mostra que os supostamente grandes são gigantes com pés de barro; ruptura nos momentos da irrupção da responsabilidade dos povos pela vida, ou seja, nos momentos em que pessoas, comunidades e povos mostram sua habilidade de responder aos desafios e ameaças de sua vida. Essa responsabilidade pela vida é o laboratório da sabedoria.


3. Desprezo do saber do outro
A sabedoria como responsabilidade pela vida tem duas dimensões: a luta e a contemplação. A luta, porque a sabedoria está sempre ameaçada pela banalidade e a erudição artificial, de fora e de dentro, ameaçada pelo desprezo dos outros e pela alienação própria.
A sabedoria dos povos indígenas pouco interessava os evangelizadores. Por isso, a sua boa-nova se tornou mal notícia. José de Acosta, provincial dos jesuítas na região andina, na primeira hora de colonização, pode escrever:
"Saber o que os próprios índios costumam contar das suas origens, não é coisa de muita importância. Seus relatos parecem mais sonhos que histórias. Há entre eles muita conversa do Dilúvio; mas não é possível bem distinguir se este dilúvio, de que falam, é o universal da Divina Escritura, ou se foi um outro dilúvio ou uma inundação particular e regional (...). Seja como for, contam, em todo caso, os índios que com aquele dilúvio toda a humanidade se afogou e contam que do grande lago Titicaca saiu um Viracocha, que tomou assento em Tiaguanaco, onde hoje se encontram ruínas e pedaços de edifícios antigos e muito estranhos, e que de lá vieram a Cuzco, e assim o gênero humano voltou a multiplicar-se. (...) Mas, para que serve contar mais, pois tudo que contam está cheio de mentiras e sem razão? O que eruditos afirmam é que toda a memória destes índios não chega a mais do que 400 anos, e tudo que relatam do passado é mera confusão e trevas, sem ter certeza. E não é para se admirar, já que lhes faltam livros e escritura (...). (...) Eles estavam seguros de que haviam sido criados desde seus primórdios no mesmo Mundo Novo, onde vivem. Mas sobre isso nós os esclarecemos (desenganamos) com nossa fé, que nos ensina que toda a humanidade procede de um primeiro casal."*
 * (ACOSTA, José de. Historia natural y moral de las Indias. México, FCE, 1985, p. 63s. "Saber lo que los mismos indios suelen contar de sus principios y origen, no es cosa que importa mucho; pues más parecen sueños los que refieren, que historias. Hay entre ellos comunmente gran noticia y mucha plática del Diluvio; pero no se puede bien determinar si el diluvio que éstos refieren, es el universal que cuenta la Divina Escritura, o si fué alguno otro diluvio o inundación particular de las regiones (...). Como quiera que sea, dicen los indios que con aquel su diluvio, se ahogaron todos los hombres, y cuentan que de la gran laguna Titicaca salió un Viracocha, el cual hizo asiento en Tiaguanaco, donde se ven hoy ruinas y pedazos de edificios antiguos y muy extraños, y que de allí vinieron al Cuzco, y así tornó a multiplicarse el género humano. (...) Mas ¿de qué sirve añadir más, pues todo va lleno de mentira y ajeno de razón? Lo que hombres doctos afirman y escriben es que todo cuanto hay de memoria y relación de estos indios, llega a cuatrocientos años, y que todo lo de antes es pura confusión y tinieblas, sin poderse hallar cosa cierta. Y no es de maravillar faltándoles libros y escritura (...). (...) Tenían por muy llano que ellos habían sido creados desde su primer origen en el mismo Nuevo Orbe, donde habitan, a los cuales desengañamos con nuestra fe, que nos enseña que todos los hombres proceden de un primer hombre."Sahagún afirma que os náhuas, da Nova Espanha, através de suas pinturas antigas, têm uma memória histórica de pelo menos dois mil anos. Cf. SAHAGÚN, Bernardino de. Historia general, l.c., p. 29.)
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Darwin "desenganou" a cristandade mais tarde sobre a procedência de um "primeiro casal".

[Imagem: Padre Vieira Pregando aos Índios (in quadro de 1841, retratando cena do século XVI): - penetração da cultura européia ‘civilizada’ sobre as comunidades indígenas, bem como o cristianismo, em lugar das crenças nativas.]

4. Rejeição do saber colonizador: educação, catequese, orientação
Por não reconhecer a sabedoria da Ameríndia, a América Latina abriu mão de sua própria sabedoria. Por desconhecer a sabedoria dos povos yanomami, guarani, kaingang, totonaco, maya e de tantos outros povos indígenas, a América Latina e seu cristianismo abriu mão de um acesso profundo a uma teologia própria. Na Bíblia, o conhecimento mais profundo é chamado amor. O Brasil, em sua configuração oficial, não conhece, não reconhece e nem ama os povos indígenas e sua sabedoria.
Para proteger a sua sabedoria, os povos indígenas precisavam, muitas vezes, recorrer à clandestinidade e à rejeição da oferta de sabedorias forâneas em forma de religião, lei e visão do mundo.
Arnaldo Antunes, o poeta e músico brasileiro, deu voz a essa rejeição da sabedoria oficial em forma de catequese e educação, quando canta:
"Aqui nessa casa ninguém quer a sua boa educação.
Nos dias que tem comida, comemos comida com a mão.
E quando a polícia, a doença, a distância ou alguma discussão nos separa de um irmão,
Sentimos que nunca acaba de caber mais dor no coração.
Mas não choramos à toa, não choramos à toa.
Aqui nessa tribo ninguém quer a sua catequização.
Falamos a sua língua, mas não entendemos o seu sermão.
Nós rimos alto, bebemos e falamos palavrão.
Mas não sorrimos à toa, não sorrimos à toa.
Aqui nesse barco ninguém quer a sua orientação.
Não temos perspectiva, mas o vento nos dá a direção.
A vida que vai à deriva é a nossa condução.
Mas não seguimos à toa, não seguimos à toa.
Volte para o seu lar, volte para lá."


5. Alienação
Mas a sabedoria dos povos não está ameaçada apenas pelo desprezo dos outros. Também a alienação própria representa uma ameaça venenosa.
Diante da mercantilização total da vida cotidiana, também a sabedoria corre o risco de se tornar mercadoria, propaganda e técnica de sobrevivência, medicina paliativa de uma sociedade que, por dinheiro, tudo oferece. O pior que pode acontecer a uma pessoa e a um povo é não gostar mais de sua herança sapiencial milenar e trocar o direito do primogênito por um prato de ervilhas de um shopping center, pelo querer ser como os outros, pela mimésis, ou de só comer ervilhas do próprio quintal.
Não há dúvida, o neoliberalismo não pára na alfândega de nenhum país, de nenhum povo, de nenhum coração. A filosofia do capitalismo não necessita passaporte. Os meios de comunicação, enquanto representam o braço direito desse sistema e estimulam nossos desejos alienantes, são o cavalo de Tróia no meio dos povos e dos corações das pessoas. Os meios de comunicação nos sugerem a necessidade do mais, do maior e do novo. O consumo obsessivo é, psicologicamente, um sinal do medo e, socialmente, um roubo daquela humanidade, que passa fome.


6. Resistência sábia e militante
A resistência sapiencial é possível. Temos também notícia de resistências extraordinárias. No Brasil, nos últimos 30 anos surgiram mais de 50 povos indígenas que estavam desaparecidos da memória nacional e do mapa etnográfico do país. Por um momento, a sabedoria do próprio venceu a avalanche de integração e de todos os aliciamentos disfarçados de sabedoria e bem-estar da sociedade dominante. Podiam continuar a viver como brasileiros comuns, campesinos, agricultores. Preferem, apesar de todos os preconceitos, serem chamados de índios, com nome próprio de um rio, de uma rua ou de um pássaro. Não têm vergonha dessa identificação com a natureza, não têm vergonha de se chamar Tukano, Juriti ou Tapajós. Os letreiros de nossas ruas queriam lembrar povos desaparecidos, mas os supostamente desaparecidos caminham por essas ruas “que passam por muitos países e preparam uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças” (Canção Amiga, Carlos Drummond de Andrade).
Enquanto encarregados da nossa Igreja, no encontro das Comunidades Eclesiais de Base, discutiram se a Missa da Terra Sem Males podia ser celebrada ou não, um indígena pataxó subiu ao palco e gritou: “Nóis vivemos, estamos aqui presentes”.


7. Despojamento
Em nossa sociedade, a sabedoria exige cuidados e defesas especiais. Exige despojamento como exercício cotidiano que envolve todas as dimensões da vida. Despojamento pode significar desapegar-se de privilégios e soltar ao vento desejos, saberes e objetos que criam dependências. O desapego é central para a construção de uma vida inteira, livre, integral.
O mundo de hoje destaca o empreendedor, que mostra que é possível escapar do desemprego, do ócio improdutivo e do fatalismo daqueles que vivem na miséria. A estes faltaria o espírito empreendedor. Nesse mundo, parece estranho situar o desprendimento no centro da vida ativa, vivida como vida inteira.
O desprendimento como sabedoria é um pressuposto da justiça distributiva e da pedagogia, economia e mística que o grande pedagogo Comenius (Jan Amos Komensky) resumiu em poucas palavras: tudo para todos integralmente: os saberes, os bens materiais e os dons espirituais. A vida de cada dia, em sua completude, exige a capacidade de tecer relações e produzir gestos de esvaziamento de si e disponibilidade para interagir com os outros.


8. Ascese e solidariedade
Desprender-se de algo não significa, simplesmente, abrir mão de algo; significa deixar algo ser, deixar algo livremente existir – algo que estava ameaçado pelos apegos a desejos e objetos. O desprendimento não é privação, mas libertação e purificação. Dessa purificação, caracterizada pela recusa a práticas possessivas de acumulação, emergem energias novas. Como livramos animais e árvores de parasitas, que lhes roubam a energia vital, assim nós também temos necessidade de nos livrarmos de apegos parasitários que nos roubam a energia. Sem liberdade e energia, a vida começa a murchar. O apego cerceia a liberdade e o fluxo energético da vida. O desprendimento em sua forma individual pode ser compreendido como conversão e ascese, em sua forma comunitária ou sociopolítica, como ruptura e solidariedade.

9. Desestabelecer o sistema
Num continente de pobres e famintos, falar de ascese poderia parecer um discurso alienante proferido por abastados. Mas ascese, que significa “exercício”, é uma prática que pretende, exatamente, nos alertar para as teias alienantes da sociedade e libertar da dependência de desejos artificiais, criados por uma indústria que lucra com a ansiedade consumista que promove. A estrutura dessa sociedade de lucro e consumo visa à maximização dos desejos alienantes e dos gastos, à incessante renovação das mercadorias, à acumulação dos bens e ao crescimento dos lucros à custa dos pobres. O desapego como ascese, como exercício de se livrar do desnecessário para que todos possam usufruir o necessário, ultrapassa a esfera do privado e do individual. O desapego como exercício ascético tem uma função social que desestabiliza o sistema.


10. Nós, o templo libertado dos vendedores
Na vida contemplativa dos sábios, a purificação precede à iluminação, o romper das teias precede ao tecer redes e ao ver a Deus. Ao comentar, no sermão n. 52 (ed. alemã n. 32), a primeira bem-aventurança segundo Matheus, “felizes os pobres em espírito porque deles é o Reino dos céus” (Mt 5,3), o mestre Eckhart descreve a pessoa espiritualmente pobre como o templo libertado dos vendedores: “Este é um homem pobre que nada quer, nada sabe e nada tem”. Isso não significa apagar a consciência e a vida, mas esvaziá-las. A inspiração, a inabitação do espírito ou o nascimento de Deus podem acontecer exatamente no momento da libertação das imagens, dos conceitos (dogmas), das vontades (desejos), dos saberes e dos objetos que ocupam o lugar de Deus. Em vez de dizer “este é um homem pobre”, Eckhart poderia também dizer “esta é uma pessoa sábia, porque ela está pronta para ver a Deus” (Mt 5,8) ou esta pessoa “é um templo de Deus”, preparado para a unificação com seu criador, o último degrau da mística: purificação, iluminação, unificação. A Palavra de Deus, que se fez carne em Jesus de Nazaré, purifica, ilumina e une.

11. Os sábios e os místicos – na contramão dos sistemas
A cada momento, o desprendimento recoloca Deus, o pobre Deus do pão e da cruz, no centro da humanidade. Essa centralidade de Deus orienta os cristãos para a igualdade e a liberdade dos seres humanos. Todos são igualmente criaturas de Deus. Nessa perspectiva de uma igualdade radical não há lugar para apropriações privadas dos bens da terra. Em conseqüência disso, os místicos se encontram sempre na contra-mão dos sistemas e na mira dos administradores das instituições e das palavras. A existência dos místicos, dos verdadeiros sábios, denuncia as acomodações administrativas das instituições religiosas e a marginalização dos pobres através de práticas políticas e sociais rotineiras de exclusão.
Desprendimento é ruptura. Isso quer dizer retomar a vida das mãos daqueles que nos educaram para morrer. Nós precisamos a cada dia nos reeducar para viver e romper com a lógica alienante do senso comum que, muitas vezes, é a perversão do bom senso. Ruptura significa intervenção em situações que impedem parte significativa da humanidade de viver a sua vida com dignidade. O desprendimento como descontentamento profético emerge da consciência de que reformas ou “remendos novos em odres velhos” não mudarão o curso da História.


12. Ruptura do Reino
A sabedoria de todos os povos nos une à causa maior do Reino. Enquanto as denominações eclesiásticas nos procuram enquadrar em seus sistemas como “casos”, nós nos unimos, como causa universal, à sabedoria do Reino, que só pode ser pensado num horizonte radicalmente assistêmico, além do pesadelo da sociedade consumista, da sociedade produtora de objetos à custa das pessoas e da sociedade dividida por classes sociais e preconceitos étnicos e morais. Essa ruptura sapiencial do Reino acontece na vida cotidiana, onde procuramos ampliar as rachaduras da sociedade alienada.
Como produzir rupturas? Como plantar os sonhos dos pobres e dos excluídos nas rachaduras dos sistemas? Como abrir mão das nossas representações prestigiosas e viver a solidariedade como expressão radical de gratuidade? Gratuidade não significa apenas ruptura com a sociedade domesticada por lucro, competição e controle. A gratuidade rompe com o desejo mimético de incorporação, identificação e reciprocidade.

13. Reféns do acaso do nascimento?
Como romper as teias que se instalaram no templo da nossa vida desde o nosso nascimento? É preciso ter a consciência clara de que o acaso do nascimento nesta ou naquela casa e cultura, sociedade e civilização não tem poder absoluto sobre nós. Não somos naturalmente reféns de projeções, sistemas e instituições, desde que não substituamos teias por teias, gaiolas por gaiolas, tradições obsoletas por tradições obsoletas. Quanto mais caminhamos, mais somos capazes de relativizar nossa origem e o ambiente que nos moldou. Nós somos capazes de substituir as teias herdadas ou historicamente impostas por redes que nós mesmos tecemos. Temos raízes com asas. Não dependemos fatalmente das nossas raízes de parentesco, cultura e sociedade. Podemos tecer redes sociais de luta e contemplação segundo nossas opções. O desapego a tudo resgata nossa liberdade, harmonia e serenidade diante do medo de que algo não possa dar certo, e da ambição de que algo deva dar certo.

14. O favor que cada sociedade ambiciona
Sabedoria de vida, sabedoria de resistência. É a mística maior vivida no desapego radical do caminho, no desprendimento nas relações, no esvaziamento pessoal e na antecipação, por pequenos instantes, do Reino. São poucos os instantes da nossa vida em que conseguimos ser sábios e místicos com essa intensidade. Lévi-Strauss descreve com maestria, no fim dos seus Tristes Trópicos, alguns desses instantes de uma contemplação militante:
“A contemplação proporciona ao homem o único favor que ele sabe merecer: suspender a marcha, reter o impulso que o obriga a tapar, uma após outra, as fendas abertas no muro da necessidade e a concluir a sua obra, ao mesmo tempo que abandona a sua prisão; esse favor que toda a sociedade ambiciona, quaisquer que sejam as suas crenças, o seu regime político e o seu nível de civilização; onde ela situa o seu ócio, o seu prazer, repouso e liberdade; oportunidade fundamental para a vida, de se desligar, e que consiste (...) durante os breves intervalos em que a nossa espécie suporta interromper a sua faina de colméia em captar a essência do que ela foi e continua a ser, aquém do pensamento e além da sociedade: na contemplação de um mineral mais belo que todas as nossas obras; no perfume mais sábio que os nossos livros, respirado no âmago de um lírio; ou no piscar de olhos, cheio de paciência, serenidade e perdão recíproco que um entendimento involuntário permite, por vezes, trocar com um gato” *
*(LÉVI-STRAUSS, Tristes Trópicos, último parágrafo).
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(Belém, 29.1.2007)






CIRCULARIDADE E COSMOVISÃO

Espiritualidade Indígena


"Vocês devem ter notado que tudo o que o índio faz movimenta-se em círculo ou tem forma de círculo. O poder do Mundo trabalha sempre de forma circular e tudo tende a ter a perfeição do círculo. O céu é redondo e a terra também, bem como as estrelas. O vento rodopia e os pássaros constroem seus ninhos de forma circular, as leis deles são semelhantes às nossas. Até mesmo as estações seguem roda nas suas mudanças, voltando sempre ao ponto de partida. A vida do homem é um círculo: de uma infância à outra. E assim é em tudo onde o poder se movimenta."  *


* Alce Negro (1863-1950)  - por Xamã Oglala Sioux

TEOLOGIA LATINO-AMERICANA

Afroameríndia - símbolos e significados: as experiências dos indígenas e dos afro-americanos

Por: Reinaldo João de Oliveira


Introdução

O fato da procura por valorização da Cultura afro-brasileira e da Indígena, bem como das suas reflexões com enfoque teológico, dá-se devido a importância para entender o processo pelo qual estamos envolvidos hoje num mundo cada vez mais plural e ressaltadamente carente do sentido e do significado.

Podemos afirmar que a Teologia Índia, como vertente teológica própria da América Latina, é uma realidade nova, mas também em certo aspecto muito antiga. Considerada enquanto sabedoria religiosa dos povos índios originários da América Latina, existe desde que existe o homem e a mulher deste continente. E se tem desenvolvido de acordo com os desafios da vida de nossos povos antes, durante e depois das invasões ocidentais nestas terras.

A teologia índia, como tal, que articula a reflexão de fé dos índios de hoje, é para nós um fenômeno que aparece no pós-concílio, a partir da realidade da religiosidade popular indígena e mestiça, como lugares privilegiados em que a teologia índia se tem reproduzido. O primeiro encontro latino-americano de teologia índia se deu em 1989-1991 no México.

Sobre a questão do significado, buscaremos em uma obra que caracteriza bem sua época, onde e quando se propunham um certo “debate” ou discurso sobre a libertação dos escravos, anterior a abolição da Escravatura no Brasil, isso para tentar entender melhor sobre a relevância do(s) discurso(s) sobre a Teologia Afro-latinoamericana.

Necessariamente passamos pelos aspectos históricos e sociais que trouxeram-nos a abordagem sobre as realidades destes povos neste ponto da reflexão, por isso queremos nos aproximar desde dentro para sentir com eles, para podermos fazer partindo deles a experiência de resistência e de libertação Sócio-histórico-teológico. Logo, teremos que nos remeter a vários autores do nosso contexto, brasileiro-latinoamericano e caribenho, que tomaram como tarefa teológica, refletir e dialogar com as culturas autóctones e trazidas desde o continente Africano. Deste modo, queremos tratar sobre este tema supracitado, com nossos acréscimos, considerando os seguintes pontos, concluindo com propostas teológicas e pastorais.

TEOLOGIA ÍNDIA (TI) : Protesto e Proposta

Nos últimos anos podemos perceber que, paralelamente à queda dos paradigmas alternativos ao capitalismo, deu-se uma forte irrupção – às vezes violenta – dos indígenas, como símbolo de uma realidade presente historicamente e profeticamente na sociedade e na Igreja. Para López Hernández (2000, p.110):

“esse contexto da teologia índia, além de ser uma voz de protesto dos índios, pouco a pouco se converteu em voz de proposta que articula o desejo de um futuro melhor não só dos índios como dos pobres em geral. E isto porque a teologia índia dá uma possibilidade concreta de construção de novos paradigmas de compreensão da realidade e de construção de alternativas de vida...”

A novidade própria da teologia índia é a proposta de um novo modo de fazer teologia a partir dos índios, de sua realidade, de seus mitos, ritos e utopias ancestrais, para forjar a partir deles mesmos e de sua sabedoria, o que crêem sobre Deus, sobre o mundo e sobre si mesmos, assumindo na comunhão com todos sua identidade e alteridade.

Ainda alguns aspectos são importantes para uma melhor compreensão da teologia índia hoje, como articuladora de propostas alternativas de vida:

- a memória histórica: que momento estamos vivendo e por quê? De onde viemos? Quem são os antepassados que nos deram existência? Em que sentidos somos sementes de futuro?

- o conseqüente e indispensável refontamento e volta às raízes originárias de nossos povos, que são as raízes da própria humanidade;

- a revalorização da linguagem mítico-simbólica e corporal como instrumentos de manifestação do espírito;

- a importância capital da comunidade crente, onde os servos e servas não são os donos da teologia, mas são as vozes de uma produção que é coletiva;

- entender o pensamento teológico como companheiro das lutas e da vida, e não como mero jogo de palavras para os livros ou espaços acadêmicos.

A partir destes pressupostos fundamentais de uma teologia índia, tentaremos agora abordar sucintamente o tema da metodologia da TI a partir do que deve ser considerado seu marco fundamental, ou seja, a visão integral própria dos povos indígenas, segundo a qual “o religioso e a Teologia encontram-se em toda a vida indígena.” *
*(C. Siller, 2002)

METODOLOGIA E FONTES DA TEOLOGIA ÍNDIA (TI)

Desde os primeiros encontros de teologia índia, passou-se a discutir a questão da metodologia da TI, pela diversidade de metodologias que foram surgindo na produção dos primeiros textos. Na base da questão metodológica porém, aparece entre outros um problema específico, pois “a discussão sobre o método foi considerada por alguns indígenas como ocidentalizante e totalmente alheia a questão indígena... De acordo com essa hipótese, o problema estaria mais naqueles que têm exigências metodológicas alheias, que não são próprias das teólogas e dos teólogos índios.” (C. Siller, 2000; p.287-288).

No entanto, prossegue o debate em torno da necessidade de uma metodologia para essa teologia que vem do mundo índio. Muitos atualmente não acham oportuno abordar um método para a TI, enquanto outros reconhecem a necessidade de uma apresentação sistemática e metódica, mais conforme o procedimento das demais teologias.

Alguns pontos agora nos ajudarão a procurar compreender melhor como essa teologia articula-se em vista de uma aproximação à metodologia, já que esta reflexão que se pretende teológica, não pode ser sociologia nem tampouco antropologia, visto que a ciência teológica “tem seu próprio campo, seu próprio objeto, seu método.” (C. Siller, 2000; p.290):

a) A matriz da teologia índia consiste em fazer a experiência de Deus na própria experiência. Essa experiência de Deus é que determina seu caráter teologal. É uma teologia essencialmente vivencial, que envolve os participantes na vivência religiosa, ritual e litúrgica, sobretudo a partir da vivência cotidiana, na qual deve perceber-se a presença e a ação de Deus.

b) A TI, ao falar da experiência teologal dos índios, nos fala como teologia narrativa, a partir do momento em que narra as experiências de Deus feitas pelo seu povo. Neste sentido, a experiência de Deus na vida transcende a própria experiência cotidiana.

c) Para partilhar essa teologia no âmbito das demais teologias, porém, essa experiência precisa ser refletida, enriquecida, sistematizada. É o necessário momento da comunicação, sem deixar de lado – e isso é próprio da cultura indígena – a referência fundamental à experiência teologal do povo. A comunicação supõe um contato com os destinatários da teologia e, portanto, o intercâmbio com outras culturas, semelhantes ou diferentes.

Fontes da Teologia Índia

A experiência religiosa e de fé que caracterizam os povos indígenas são sobretudo experiências que se movem sobre seus sentidos, palavras, símbolos e mitos. Neste sentido, podemos afirmar que a cultura é o veículo da teologia. E que só desta maneira o povo pode viver e entender a teologia. É a partir da própria cultura, como espaço vivencial onde se move a teologia, que podemos destacar algumas fontes da TI (cf. C. Siller, 2000; pp.295-296).

- monumentos arqueológicos e arquitetura;

- tecidos, bordados e cerâmica;

- crônicas, correspondências, códices, mapas e processos jurídicos;

- a religiosidade popular indígena;

- a palavra antiga, proferida pelos sábios e velhos;

- a experiência de Deus feita por aqueles que estão envolvidos nas questões econômicas, sociais e políticas atuais;

- a emergência atual dos povos e da cultura índia, com discursos densos, que denotam uma sabedoria própria em vista da causa por eles defendida, causa no qual Deus está profundamente comprometido.

É só a partir destas fontes, próprias da sua cultura, que os índios podem fazer teologia, podendo atingir vários níveis de produção. Contando com esses elementos fundamentais como base da vivência e para os momentos de reflexão é que se pode chegar a uma verdadeira sistematização teológica, que então poderá colocar a teologia índia em contato com o mundo das outras teologias, em vista de um diálogo enriquecedor:

“Os que não são indígenas, mas que acompanham pastoral e evangelicamente esses povos, podem também fazer teologia como uma tarefa convergente de apoio e de acompanhamento dessa caminhada, que deve ser feita pelos próprios indígenas. Quanto à teologia índia, o mais importante da metodologia é que sejam os próprios indígenas que a façam”. (C. Siller, 2000; p.296)

A Teologia Índia e a Igreja Católica da América Latina

Para López Hernández (2000; pp. 111-112):

“La TI és una interpelación radical a las teologías existentes i a la Iglesia em conjunto. La TI exige cambiar no sólo de contenidos o de sujeitos teológicos, sino elaborar nuevos modos de hacer teología: nuevos paradigmas. Pero esta interpelación radical coincide com em deseo generalizado de transformaciones profundas en la sociedad y em la Iglesia...”

Estes novos paradigmas, que via de regra chocam-se com uma prática teológica e pastoral homogeneizantes de séculos por parte da Igreja, tem dado causa à voz daqueles que vêem com receio a teologia índia. Argumentam que a TI não é verdadeira teologia, mas sabedoria popular. Aludem também para o fato de que ao utilizar a mediação de sua própria cultura, a TI se caracteriza como uma teologia imanentista e horizontalista.

Apesar dessas e outras dificuldades desde suas primeiras tentativas de fazer parte da vida da Igreja e da pastoral nos anos 70, a teologia índia recebeu pareceres positivos da Congregação para a Doutrina da Fé, em 1996 e 1999. A referida congregação afirmou poucos dias depois de uma reunião de comissões episcopais latino-americanas para a doutrina de fé em Guadalajara (1996), que:

“particularmente importante nos pareceu o acompanhamento da reflexão teológica a partir do mundo indígena [...] Merece o mais profundo respeito uma teologia que colabore para uma vida digna e para a comunhão com Deus e com os seus semelhantes.” (C. Siller, 2000; pp. 288-289 nota 3)

Mais recentemente porém, a mesma CDF apontou para os bispos mexicanos alguns problemas em relação à teologia índia:

- A TI põe em risco a unicidade da revelação de Deus, desprezando o papel normativo da revelação normativa. Não fica claro para a CDF que os índios não sejam politeístas e idólatras;

- A TI põe em risco a unicidade de Cristo, pois enfatiza as sementes do Verbo nas culturas, como se fossem outras encarnações de Cristo;

- A TI põe em risco a unidade da Igreja, pois afirma a necessidade de construir igrejas indígenas autóctones;

- A TI põe em dúvida o papel do Magistério dos Bispos, pois afirma que as comunidades são as donas de sua fé.

Para López Hernandez (2000, p.113):
“Estos temores no tienen ningún fundamento, pues se basan em um deconocimiento de la realidad indígena, o en una lectura descontextualizada de expresiones sueltas de personas o de encuentros indígenas. Los estereotipos o los prejuicios con que ellos miran la TI hacen incompreensible el verdadero sentido de sú procucción teologica.”

O mesmo autor indica três caminhos, que dizem respeito as tarefas da teologia índia para o futuro, que tentaremos resumir:

- encontrar estratégias eficazes de ação, que minorem ou acabem com os temores das instâncias de governo eclesiais a respeito do mundo indígena;

- elaborar os paradigmas e as ferramentas teológicas que ajudem a produzir teologia dos povos indígenas em solidariedade com as outras teologias do continente;

- trabalhar pela continuidade da TI na Igreja, que visem a valorização da teologia índia e seus sujeitos, para que a Igreja não perca seu lugar no futuro dos povos indígenas.

A teologia índia a partir de Aparecida

Apesar de o termo teologia índia não constar do documento conclusivo de Aparecida, outros termos demarcaram uma presença importante que colocaram a questão indígena como preocupação pastoral na Igreja, especialmente na análise da realidade (DA 88-95) e nas indicações pastorais (DA 548-550).

Paulo Suess (2007, pp. 80-83), analisa a questão indígena em Aparecida a partir do que considera o fio condutor do documento, que tentaremos resumir a seguir:

a) Os povos indígenas vivem hoje em uma situação em que a sua vida e existência estão ameaçadas. A globalização ameaça a todos com suas mudanças culturais impostas sobre sua identidade e seus projetos (DA 90). Os indígenas, neste sentido configuram uma nova categoria de pobres e excluídos (DA 416). Desta situação de pobreza emerge um grito que deve ser ouvido por toda a América Latina (DA 89; 473);

b) A Igreja comprometeu-se, em Aparecida a acompanhar a luta dos povos indígenas e cobrar da sociedade o respeito e o reconhecimento de sua alteridade (DA 89). A defesa dos territórios dos povos indígenas são elemento fundamental neste serviço ao Deus com rosto humano, que está sempre perto dos pobres e sofredores (DA 7; 22; 258; 549). Este apoio não deverá se sobrepor ao protagonismo dos próprios indígenas, mas o incentivá-lo;

c) O documento cita os povos indígenas como novos atores sociais, que ao tomar consciência de seu poder, poderão gerar transformações sociais importantes (DA 75). O protagonismo dos povos indígenas é sinal de esperança (DA 143). A diversidade de suas cosmovisões, valores e identidades pode forjar um novo Pentecostes eclesial (DA 91);

d)A participação dos povos indígenas na vida eclesial ainda depende de um processo de evangelização mais inculturada, com desdobramentos litúrgicos, no trabalho vocacional e na assunção das línguas indígenas como veículos de comunicação (DA 94; 101; 112; 339). Esta evangelização inculturada inclui denúncia, anúncio e diálogo, como dimensões essenciais da presença e do anúncio do Reino. E afirma ainda que muitos povos indígenas já receberam o Evangelho como discípulos e missionário de Jesus Cristo (DA 95).

Ainda para López Hernandes (2007), a V Conferência Geral de Aparecida configura-se como um momento kairótico no interior da Igreja, especialmente em relação à causa indígena:

Aunque hay que reconocer que en la Iglesia ningún documento del Magisterio pontificio o episcopal es en verdad punto de partida de nuevos procesos eclesiales, porque cada documento sólo refleja el consenso logrado hasta el momento y su pretensión es reforzar o matizar lo que las bases eclesiales ya están llevando a cabo, Aparecida manifiesta sin embargo, a mi parecer, un momento kairótico al interior de nuestra Iglesia que puede ser el inicio de una nueva etapa eclesial sobre todo en lo que se refiere a la causa indígena. Varios son los indicadores de ese nuevo momento, y los indígenas, sin pretenderlo, hemos llegado a ser un punto importante de referencia. El papel que jugamos antes, durante y ahora después de Aparecida dan cuenta de esta nueva relación intraeclesial que se construye.

Ainda que falte muito caminho ainda a percorrer, o desafio da inculturação é um dos principais desafios da Igreja de hoje. Sem esse pressuposto, não será possível uma evangelização eficaz, e tampouco uma nova evangelização, nos moldes da Conferência de Santo Domingo (1992). Toda a Igreja, e especialmente a Igreja Latino-Americana, com seu mosaico de culturas e religiosidades próprias, espera novos tempos onde as diferenças possam ser vistas como riquezas e consideradas como oportunidades novas onde o Evangelho, que é Boa-Nova de Deus em Jesus Cristo dê seus frutos de santidade e de vida em terras latino-americanas.

TEOLOGIA AFRO LATINO-AMERICANA : e a Pastoral

Relevância do discurso sobre a Teologia Afro-latinoamericana

Na obra Etíope Resgatado... o teólogo crítico apresenta no ponto II a questão pertinente ao nosso esquema de reflexão acerca do significado da questão Afro para a teologia em nível de fundamental relevância:

Na antiguidade Greco-romana, os egípcios alcunharam seus vizinhos da região ao sul de Siene, atualmente Assuã (Ez 29,10), de etíopes, o que significa “caras queimadas”. Os autores da Bíblia hebraica conhecem esta região como cuch. Ao falar de cuch, Isaías anunciou que dali viria um povo de “pele bronzeada” para trazer dons a Javé e adorar o seu nome no monte Sião (Is 18,7). O batismo do etíope, por Filipe, narrado nos Atos dos Apóstolos (8,26ss), tem este fundo literário e teológico. O etíope dos Atos pede explicações de um texto de Isaías que fala do Servo de Javé. No tempo messiânico, o povo dos confins do mundo encontra o significado do Servo de Javé, não na servidão, mas no batismo que lhe permite “cheio de alegria continuar seu caminho” (At 8,39).

Na continuidade da crítica, o teólogo irá expor de modo bem característico os aspectos importantes da visão que hoje nos faz deter o olhar sobre a pertinência da reflexão afro-latinoamericana não somente na perspectiva histórico-teológica, como também na ótica da tradição Bíblica, da linguagem e, por isso, interpretação, hermenêutica, e nas questões sociais candentes, dadas as manifestações de debates acerca da “reparação” que confronta muitos esquemas já antes questionados pelo etíope no texto de Atos dos Apóstolos. Abaixo, elencamos alguns pontos para reflexão:

• Na tradução da Bíblia hebraica pelos Setenta (LXX) ao grego falado em Alexandria, no terceiro século AC [...] e na Vulgata, [...], cuch geralmente é traduzido por Aethiopia.

• Na época grego-romana, a alcunha etíope (“cara queimada”) se tornou designação genérica dos habitantes desde o sul do Egito, passando por toda África até aos países em torno do oceano Índico e à Índia. Mais tarde, etíope tornou-se nome genérico do negro.

• Etíope, portanto, significava na história colonial das Américas negro africano. E negro africano nas Américas, por mais de três séculos, era sinônimo de escravo.

Já, referindo-se a obra comentada por Suess, “o paradigma jurídico do resgate articula analogicamente a ‘salvação pela compra’ de africanos, que supostamente foram por inimigos tribais condenados à morte, com a salvação de pagãos pelo cristianismo, sem estes condenados à morte eterna. Nesta leitura ideológica, a escravidão representa uma dupla redução de pena: redução de pena de morte ao trabalho forçado e redução da pena fatal do inferno, prevista na doutrina cristã da época para os pagãos, às chances escatológicas de um cristão.”

E a Pastoral de hoje?
* Reflexão e destaques a partir dos Estudos da CNBB, no Doc. 85 (PASTORAL AFRO-BRASILEIRA)

O presente texto é resultado de quatro anos de pesquisas, encontros, estudos, contribuições pessoais e de grupos que fazem acontecer a Pastoral Afro-brasileira com a assessoria do teólogo Pe. Antônio Aparecido da Silva (Pe. Toninho), do Grupo de Trabalho ligado à Secretaria da Pastoral Afro-brasileira (GTA), da CNBB, entre outros.

Primeira compreensão teológica expressa no documento é a seguinte: a consciência de que “Deus está conosco”. Uma reflexão teológica que emerge da vivência da comunidade.

Trata-se de um processo que tem suas origens nos inícios da evangelização no País. Por um lado, a atuação dos negros e negras na Igreja, ao longo de toda a história, mostra que, de fato, a ação afro-pastoral foi por eles mesmos constituída; por outro lado, a constituição da Pastoral Afro-brasileira, em nível nacional, demonstra a oportuna e inequívoca solicitude da Igreja diante da realidade e da fé da população afro-descendente. Incentivo, participação e compromisso dos pastores e dos agentes de pastoral são fundamentais para o incremento e maior difusão da Pastoral Afro-brasileira.

Para entender a pastoral afro-brasileira: um pouco de história

Resumindo o Documento 85 da CNBB - PASTORAL AFRO-BRASILEIRA – apresentamos uma análise a partir dos seguintes números que selecionamos:

1. A Pastoral Afro-brasileira surge como conseqüência de um longo processo de conscientização e militância de gerações de negros e negras, que assumem viver a sua fé eclesial, tendo como referência a realidade da população afro-descendente no continente e no País. Os novos tempos, vividos pela Igreja no período pós-conciliar, possibilitaram o surgimento da Pastoral Afro-brasileira e a participação de novos agentes de pastoral. No final da década de 1970, em plena vigência das opções propostas pela Igreja Latino-Americana, em Medellín, intensificaram-se os preparativos para a realização da Assembléia de Puebla.

2. O crescimento e a força dos Movimentos Populares, atuantes, com grande expressão naqueles tempos, foram decisivos para o crescimento do Movimento Negro na sociedade civil e nas igrejas. O Grupo União e Consciência Negra (07/09/1981) seguiu trajetória semelhante, denunciando, entretanto, a reprodução do racismo no interior das Igrejas. Negros e negras, agentes de pastoral, vão se organizando no interior das Igrejas, despertando as comunidades para “as angústias e esperanças” da população negra.

6. Hoje, a pastoral Afro-brasileira se impõe como uma necessidade, diante de novos cenários da Igreja: “A evangelização nos novos contextos exige, além da renovação das atuais estruturas pastorais e da criação de novas, que correspondam às exigências de uma nova evangelização, no ardor, novos métodos, novas expressões e, sobretudo, uma espiritualidade que torne a Igreja cada vez mais missionária” (DGAE, 106).

7. Ao mesmo tempo que a Igreja incentiva a Pastoral Afro impelindo-a para a realização dos seus objetivos, a Pastoral responde aos novos anseios da Igreja na busca de novos métodos e dinamismo.

8. É próprio da metodologia das pastorais na Igreja analisar a realidade a partir da fé e então integrar numa mesma visão as dimensões espirituais e materiais. Assim, ao contemplar a realidade afro, a Pastoral coloca em relevo as múltiplas faces da mesma realidade: econômica, política, espiritual, etc.

9. Diante das muitas iniciativas no trabalho com as comunidades negras, é preciso uma coordenação de Pastoral Afro que articule os vários serviços, seja ponto de referência e contribua para a efetivação dos objetivos da Pastoral.

Negros e negras entre os primeiros batizados

10. Os reclamos dos agentes de pastoral afro-descendentes à participação do negro e da negra na sociedade e, particularmente, na Igreja, não ocorrem sem uma histórica justificativa.

11. Não só a condição de primeiros batizados dá aos negros a força moral e espiritual de exigirem da Igreja uma ação pastoral decisiva, mas também a sua fidelidade. Mesmo que, em determinados momentos históricos, o procedimento da Igreja em relação à situação da população negra tenha sido de cumplicidade com o poder escravista estabelecido, os negros sempre devotaram à Igreja o amor à mãe.

13. O Batismo, como rompimento com o mal, como selo da filiação divina e pertença à Igreja, é uma prática ensejada pela tradição católica afro-brasileira.

Dos primórdios da evangelização aos dias de hoje

16. A Pastoral Afro-brasileira, por um lado, é um processo organizativo recente; porém, por outro lado, trata-se de uma prática historicamente antiga, se levarmos em consideração a existência das Irmandades Afro-católicas presentes na Igreja desde os inícios da Colonização. Deram-lhe santos patronos, extraídos do seu universo religioso.

19. Nas Irmandades e Congadas. Nesses espaços, os negros e as negras foram os protagonistas da sua própria evangelização. Sem dúvida, por aí passam também as origens das Comunidades de Base (CEBs) no Brasil, ou seja, uma Igreja onde leigos e leigas fazem a Igreja, assumindo os distintos ministérios.

20. As igrejas no período colonial, em sua grande maioria, foram construídas com o trabalho dos negros.

21. Além dos espaços mencionados, é necessário enfatizar a importante experiência dos Quilombos, onde parte significativa da população negra se refugiou, recuperando sua liberdade.

22. Em meio às situações adversas, padecendo até da mais longa escravidão, os homens negros e as mulheres negras mantiveram a fé recebida da Igreja e continuavam a vivê-la com grande expressão e com a originalidade própria de suas culturas (fé inculturada... liturgia e tradições culturais se complementam em exuberante louvor a Deus).

A solicitude da Igreja para com a comunidade negra

23. Impelida pelos reclamos dos agentes de pastoral, a Igreja veio, aos poucos, de encontro à população de afro-descendentes, solidarizando-se com ela nas últimas décadas. A celebração da Missa dos Quilombos, em Recife, no início dos anos 80, e a realização da Campanha da Fraternidade, em 1988, no Centenário da Abolição, foram momentos marcantes da solicitude da Igreja para com a comunidade negra. A campanha ajudou a própria Igreja, e a sociedade civil de modo geral, a perceber a dura realidade em que vive este segmento da população brasileira.

24. O texto da campanha deixou evidente que a situação tanto econômica quanto educacional da população afro-brasileira é marcada por acentuadas desigualdades. No campo da educação, por exemplo, o índice de analfabetismo na população negra é, proporcionalmente, o dobro em relação à população branca.

28. Participando da caminhada da população negra, a Igreja sente com ela que não é suficiente a elaboração do diagnóstico da realidade, mas é necessário empreender ações concretas. Depois de mais de três décadas de conscientização da Comunidade Negra e da sociedade como um todo, incluindo a esfera política, começam a surgir resultados efetivos de políticas afirmativas (Bolsas para estudantes negros e carentes, cotas de empregos...).

29. Na população pobre do País, entre as crianças na faixa etária de até seis anos, 38% são brancas, enquanto as negras somam 66% (IPEA). Indicação clara de uma tendência de alargamento do fosso racial no Brasil.

A população afro-brasileira e a vivência da fé

32. O AXÉ é a energia vital. A fonte do AXÉ está no Deus da Vida, Senhor Absoluto de toda criação.

33. A tradição cultural afro-religiosa tem na comunidade a expressão maior da sua vivência (...). Quem vive comunitariamente se salva, torna-se Ancestre; quem não vive comunitariamente se perde.

Marcantes testemunhos de fé

39. A comunidade negra vive a fé recebida no Batismo. A maioria da população brasileira afro-descendente é católica. A religiosidade popular passa pela vivência dos povos afros. São famílias consolidadas na fé.

41. A maior referência nacional da devoção marial contempla a realidade afro. Nossa Senhora Aparecida é a Negra Mariama, que surge no meio do povo sofrido, para protegê-lo e libertá-lo. O primeiro milagre, no relato do povo, foi em beneficio do negro Zacarias, quebrando-lhe as correntes da escravidão.

42. Hoje, superados os obstáculos do ingresso de negros e negras para a vida religiosa e para os seminários, são numerosas as vocações que procedem do meio dos afro-descendentes.

Resultados e tarefas da pastoral afro-brasileira

43. Olhando o cenário atual da Igreja, sobretudo nas últimas décadas, constata-se, em geral, maior consciência da realidade afro. O apoio da pastoral tem sido importante para que segmentos da população negra consigam seus objetivos, como, por exemplo, na obtenção do reconhecimento das terras remanescentes de Quilombos.

44. Uma realidade especial e inovadora é visivelmente percebida no âmbito da liturgia.

46. Não obstante os passos dados, resta muito por fazer, sobretudo no sentido de levar a maior conscientização da realidade afro nas dioceses e nos regionais.

A caminhada afro-pastoral

47. A caminhada afro-pastoral iniciou-se e se mantém, suscitando os grupos de base, ou seja, estimulando a formação de grupos paroquiais. A questão principal é dar-se conta do racismo existente e que impede a vivência plena da fraternidade proclamada e querida por Jesus.

49. Em diversas regiões do País foram organizados encontros diocesanos, estaduais e interestaduais.

50. Como resposta à Campanha da Fraternidade de 1988, sobre a população negra, diversas dioceses integraram a pastoral afro em suas programações, colocando-lhe à disposição até espaços físicos.

51. Hoje, o momento nacional da PAB dá-se, sobretudo, no Congresso Nacional das Entidades Negras Católicas (CONENC), que se celebra, normalmente, a cada dois anos.

Liturgia e inculturação

52. A inculturação expressada por meio da liturgia tem sido uma resposta às novas sensibilidades da Igreja. A ação afro-pastoral tem primado por esta prática.

55. As celebrações afro-inculturadas não são mera “folclorização” litúrgica, ou seja, ritos e símbolos desvinculados da realidade. Ao contrário, é a celebração da vida, da esperança e do clamor do povo negro sofrido e daqueles que padecem as mesmas penúrias.

Participação solidária

56. Há, portanto, um vínculo indissolúvel entre celebração litúrgica e “participação na transformação da sociedade pelo bem dos pobres”, entre os quais os negros e negras são maioria.

57. É visível o abandono da África negra pelos países que decidem os destinos do mundo.

Pastoral afro-brasileira e organização dos serviços

58. A solicitude da Igreja para com os afro-descendentes (refere-se aqui aos pretos e aos pardos, de acordo com o Censo de 2000, IPEA), que somam cerca de 45,3% da população nacional (76.419.233 afro-descendentes), a condição de discriminação e exclusão em que vive a maioria deles e as muitas atividades surgidas na esfera pastoral, por iniciativas dos próprios agentes negros, com o apoio das Igrejas locais, levaram à criação da Pastoral Afro-brasileira, vinculada à Dimensão sócio-transformadora.

59. A Pastoral Afro-brasileira acompanha e participa da organização dos serviços pastorais que dizem respeito à comunidade negra, e tem por objetivos: “animar os grupos negros católicos existentes; incentivar o surgimento de novos grupos que buscam sua identidade numa sociedade e Igreja plurais; promover a integração e articulação dos grupos e das iniciativas, respeitando as suas particularidades; colaborar na construção de uma sociedade justa e solidária, como exercício da cidadania a serviço da vida e da esperança; e testemunhar a fé em profunda comunhão eclesial”.

A teologia da PAB impulsiona vários grupos, Instituto Mariama (IMA), Congresso Nacional das Entidades Negras Católicas (CONENC), Atabaque, Cultura Negra e Teologia (ATABAQUE), Agentes de Pastoral Negros (APNs), como exemplos, e se expressa na prática deles.

Animação e articulação

63. Não se trata de movimento, mas de um serviço, dentro da própria pastoral da Igreja.

Âmbito paroquial

64. A organização da Pastoral Afro-brasileira, em nível paroquial, deve ser empenho de todas as paróquias, sobretudo naquelas regiões onde a população de afro-descendentes se faz mais presente. Com a ajuda dos párocos e dos agentes de pastoral, devem ser constituídos grupos e círculos específicos, para aprofundarem as questões pertinentes à realidade afro, à luz da Palavra de Deus, proporcionando os espaços para as celebrações litúrgicas afro-inculturadas.

Nível diocesano

65. Sob o incentivo e orientação do bispo diocesano, a PAB seja organizada também nesse nível. A constituição do Secretariado Diocesano de PAB é uma instância fundamental para subsidiar e incrementar a ação afro-pastoral em toda a diocese.

Articulação com os Regionais

66. A ação da Pastoral Afro-brasileira será incrementada, sobretudo, com a participação dos Regionais, por meio de cursos específicos para os agentes que trabalham nas bases e nas coordenações diocesanas. A articulação entre o Secretariado Nacional da PAB e os Regionais é fundamental para que a animação afro-pastoral aconteça.

Conclusão acerca do Documento da CNBB

69. Fiel à sua missão, a Igreja entende que os povos e culturas constituem a prioridade da evangelização inculturada.

71. A Igreja, envolta pela ação da Santíssima Trindade, congrega os homens e as mulheres de todas as etnias e culturas, para que, livres de todas as amarras de racismos e preconceitos, possam, com igualdade, louvar a Deus e testemunhar a fraternidade do Reino.

ANÁLISE SOBRE O V CELAM : em perspectiva Afro

Além da referência ao documento 85 da CNBB, aproveitamos das análises de um dos autores sobre o Documento do Episcopado Geral Latino-Americano e Caribenho, reunido em Aparecida, referente à questão Afro-descendente e Indígena, para começar por onde mais desemboca a questão, ou as questões relacionadas com a Teologia Afro-latino-americana e Teologia Índia.

Paulo Suess, em sua leitura pastoral do Documento de Aparecida, inicia afirmando que o Documento apresenta “‘uma análise lúcida sobre a realidade dos afro-descendentes na América Latina e no Caribe, porém ela é também genérica’. Amiúde, constata-se o que estamos cansados de ouvir, ou seja, ‘Os afro-americanos constituem uma das raízes da identidade latino-americana e caribenha, que foi arrancada da África e trazida para cá como gente escravizada. Sua história tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social.’”

Não sei se seria correto fazer tal afirmação, a modo de constatação de uma compreensão sobre os modos de exclusão a que os nossos bispos, a comissão geral reflete em Aparecida. A questão é que além destas exclusões somam-se outras, como, a começar, pela exclusão lingüística e midiática. Quando tratamos desta realidade que “é nossa” não mais “deles”, estamos já aí estabelecendo um limite para o diálogo. Por que seria? Vejamos, somos um povo, uma nação “mista”, e, certamente, apesar de ser uma minoria ainda no cenário político, eclesial “de fato e com voz”, existimos como “uma realidade, perpassada por todos estes elementos supracitados (escravização e exclusões, com o elencado problema da “subordinação”). Enquanto não assumimos esta história de dor, mas também como nossas raízes étnicas, culturais, identitárias – o que o autor acima vai dizer é que existe um certo “ocultamento” no DA - não podemos dizer que “somos” e já de início excluímos “um povo” entre outros da mesma nação, dividida então, porque não assumimos já na linguagem esta história deles como sendo nossa. Desta postura, é claro, surgem outras que depois diremos ser fruto da primeira: não fazemos questão de falar, de escrever, de mostrar midiáticamente algo “feio” da nossa história, ou melhor, história “deles”, os afro-americanos (entendendo diferentemente da história do branco, ou hispano, ou indo latino-americano), com uma história “atravessada”, aí sim o sentido desta palavra, talvez, atravessada nas outras, pelas outras, mas que ‘não se mistura com’ elas, ou como dirá o documento – pelo menos para quem o redigiu e assinou –, com a nossa História. E qual seria essa? Pastoralmente acredito ser este um equívoco, ou a perduração de um sistema que tem se mantido alheio deste mesmo sistema, os fatos que levaram o Brasil, ou a América Latina, querer esconder o passado “ocultando”, rasgando e queimando os documentos acerca deste período da “nossa” história.

Algumas pistas podemos ir colhendo das análises que foram feitas, porém em forma de perguntas: - A Igreja realmente assume a participação dos afro-americanos na vida eclesial? (cf. n. 94), ou melhor, ela tem promovido isso através de mais vocações, ministérios ordenados, procedendo da cultura afro-americana e na inculturação das liturgias? (cf. n. 99b)

Tomando estas questões levantas, citamos somente um fato, que faz pensar, comentado pelo Padre Toninho num encontro de Religiosos/as afrodescendentes e descendentes Indígenas . O fato foi que na década de 60 os superiores das Ordens e Institutos de Vida Religiosa (V.R.) se reuniram no Rio de Janeiro para refletir a questão da procura dos negros e negras pela Vida Religiosa e Consagrada, na Igreja Católica. O fato foi relatado do seguinte modo:

“No Rio de Janeiro, dia 19 de Julho de 1960, uma Assembléia discutia a possibilidade de receber pessoas negras na V.R. A Assembléia de então funcionava assim: as Mulheres Religiosas reuniram-se no Colégio Santa Teresa e os Padres/Irmãos na Casa dos Jesuítas, no Rio de Janeiro [...] A questão subjacente era: Os institutos deveraim ou não receber “gente de cor” na V.R.? A temática interessava a todas/os, então “uniram-se” para refletirem juntos (mulheres e homens), algo não comum para a época. [...] O primeiro convidado a falar foi o então Arcebispo de Goiânia, Dom Fernando Gomes dos Santos (natural de Patos-PB), que resumindo disse o seguinte: - Sobre este assunto eu não sei bem ao certo... esse povo é meio nervoso... não sei o que eles têm no sangue que os faz ser assim... é preciso ter bastante cuidado. Feito sua análise, foi embora. Um Teólogo português, próximo convidado, que sobre o assunto propôs uma “iluminação teológica” sobre este fato, mas como a teologia estava a serviço do Magistério da Igreja, resolveu não contradizer a fala do bispo e então resolveu fazer uma Reflexão Bíblica, quase lógica, em seu entender: - A bíblia fala das 12 tribos do povo de Deus no A.T.; de todas essas tribos, porém, entendemos que uma só era a encarregada do altar - no caso, hoje, a branca... – logo, uma “constatação excelente”: Negros não servem para a V.R., que então visava o Presbiterato, no caso dos homens. A terceira pessoa convidada foi um médico que deu um pequeno exemplo: - se tiver uma pessoa branca passando mal e precisar de sangue, eu extraindo o sangue de uma pessoa negra e repassando a branca, certamente essa pessoa irá sobreviver; por isso “não há diferença entre brancos e negros do ponto de vista médico”. [...] Terminado os três relatos, antes de irem a voto, um dos participantes da Assembléia lembrou que existia uma lei recém aprovada, conhecida como “Lei Afonso Arinos ”, tratando do assunto em que se discutia a questão da discriminação racial como crime, com pena de prisão... logo, deste modo, preocupados com a repercussão da ‘exclusão dos/as negros/as da V.R, propuseram e conseguiram cocluir o seguinte na Assembléia: ‘Pode ser aprovado/a um/a candidato/a negro/a na V.R., depois de “minucioso exame’”.

- O documento de Aparecida fala de reconhecimento , mas como reconhecer se não tivermos interesse antes por “conhecer”? O diálogo com as culturas, as religiões de matrizes africanas com suas experiências raiz... muitos têm medo de iniciar este diálogo, outros parecem preferir não querer “submeter-se” a algo assim... além disso, recorda Paulo Suees, através do DA, que verdadeiro conhecimento envolve “conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja” (cf. n. 532). Esse, sem dúvida, seria um compromisso para quem se preocupa na missão da Igreja desde nosso contexto, em oposição à uma visão universalizante de uma missão continental.

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