terça-feira, 19 de novembro de 2013

O Silêncio do Racismo


por
Reinaldo João de Oliveira
(Assessor de Políticas Públicas)

Bem refletiu o antropólogo Kabengele Munanga, em entrevista concedida para a Revista Fórum (edição 77), que o “nosso racismo é um crime perfeito”. Isso porque destina a culpa para a vítima... e sempre se vê impunidade nesses casos denunciados, praticamente. E não é somente o antropólogo que constata isso, como podemos analisar mediante a realidade, principalmente na ausência de políticas públicas nesse campo.
Kabengele Munanga

Outro dado importante é o silêncio em torno da discriminação, que é também um efeito próprio do “racismo à brasileira[1]” onde se constata o racismo, mas não quem é racista (ou que se declare...). Por isso, junto com essa forma de conscientizar, repetimos o que temos já refletido, em outros momentos e debates que há muita escassez de políticas públicas no enfrentamento das desigualdades raciais. E, além de constatarmos a dificuldade, sabemos o porquê disso: dá-se por causa do racismo institucional, que faz com que mesmo os gestores que sabem quem mais morre e quem mais sofre (no campo da violência, da saúde, da moradia, do trabalho-renda) não vejam a questão como prioridade. Há, portanto, uma dificuldade de reconhecer que a estrutura racista faz com que os negros tenham mais dificuldade de acesso a direitos humanos. Aí a pobreza aparece como tema, mas não a raça”. E isso tudo está dissimulado!
É fato que quando tratamos sobre a Consciência Negra desperta questionamentos difusos e, mais do que isso, silêncios obscuros que na “surdina” reagem de modo à perpetuar a discriminação sentida por quem sofre desse mal. Urge organizamos coletivos de forças, ainda que sejam de posturas políticas e ideológicas diferentes, para somarmos em pautas comuns, tais como: a luta pelo ingresso das pessoas negras nas universidades públicas, programas governamentais e universidades particulares com bolsas de estudo, como um direito constitucional; articulações amplas de comunidades tradicionais: quilombolas (nos meios rurais) e, mais comum, nas periferias ou nos centros de cultura onde há promoção de igualdade racial, étnica e de gênero.
Imagem da rede - internet (sabedoria ancestral)

Surgem, também, em várias regiões do Brasil, associações para conscientizar e fazer trabalhos preventivos na área da saúde, para conscientizar sobre o tratamento das doenças próprias da comunidade negra, como a anemia falciforme - doença que causa muitas mortes, especialmente por desconhecimento dos médicos e dos próprios doentes.

Apesar disso tudo, denúncias já foram dirigidas à órgãos governamentais sobre a questão da Saúde e do Trabalho, bem fundamentadas às diferentes instâncias de poder – como no caso da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e Anistia Internacional - com exigências por oportunidades de trabalho/renda, valor digno do salário e com plano de políticas públicas para combater a discriminação contra a população negra no campo e na cidade, bem como o trabalho escravo e para os casos de ameaças de morte e crimes cometidos contra lideranças.

Lançado recentemente um relatório da ONU, aproveitando dados anteriormente divulgados, sobre direitos humanos no mundo e na América Latina, onde o Brasil e outros países da América foram apontados como possuidores de políticas militares discriminatórias que violentam e perseguem os afrodescendentes: que exploram e matam crianças de rua cuja maioria são negras, e que 5% da força nacional de trabalho são de crianças entre dez e quatorze anos de idade.
Imagem da rede - internet

Em outra recente pesquisa realizada pelo Programa de Redução da Violência Letal (PRVL), do Observatório de Favelas, após mapear 160 programas governamentais de prevenção à violência, desenvolvidos em 11 regiões metropolitanas do país identificou que apenas 19 iniciativas tinham como objetivo específico à redução de homicídios. Destes 160 programas, somente 8% tinham ações voltadas para os negros, que são as principais vítimas de homicídios já há tempos comprovadamente.

Com tantos dados muitas vezes desconsiderados e pouco retomados, em evidência apenas em algumas matérias jornalísticas, quase podemos afirmar que as políticas públicas são um espelho da naturalização do racismo. Onde estão os projetos que poderiam incidir numa verdadeira revolução nas consciências cidadãs?

Em nível nacional, algumas ideias tentam minorar, tal como a campanha “Juventude Marcada para Viver” que busca chamar atenção da sociedade, bem como do Poder Público, visando impactar positivamente as consciências. Seria uma legítima intenção de atingir não somente aqueles que são vítimas diretas do problema. Logo, a ideia de atingir aos que banalizam as mortes ou acham que podem justificar dizendo que ‘se morreu foi porque estava fazendo alguma coisa errada”, seria um foco de debates e de maior ação e intervenção.
Cartaz da Campanha

No sentido da segurança pública e da violência, não há como reduzir a letalidade sem reconhecer o racismo e assumir como prioridade na agenda pública ações num processo de interlocução com gestores. Particularmente no que tange municípios que apresentam altos índices de abordagens com prisões e homicídios de jovens negros, visando contribuir na formulação de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial e a valorização da vida.
imagem em reflexão de Mia Couto, "Terra Sonâmbula"

É possível mudarmos a realidade urgente de discriminação com estratégias voltadas, desde as redes sociais e com uma série de ações em pontos de Promoção da Vida em diversas regiões, em nossas cidades. Conscientizar com metas em favor do compromisso público de governo (municipal e estadual) e com protocolo normativo de ações pontuais, que minimizam a discriminação.



[1] SILVA, Martiniano J. Racismo à Brasileira: Raízes Históricas. 3ª edição. Anita, São Paulo, 1995.



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Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

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