Agora, melhor espreitando o tema principal,
deixamos o seguinte autor apresentar sua pesquisa crítica a respeito das Etnias
em Angola, que nos remete para um diálogo mais profundo...
As etnias em Angola: Uma nova
abordagem
por Alberto
Kanjongo
A abordagem conceitual da categoria etnia, e as ações práticas dela
derivadas, encontram-se, em Angola, profundamente matizadas pelo paradigma
colonial. Sabe-se que em Angola os vários grupos étnicos, tal como aconteceu
noutras paragens, foram agrupados em função de critérios linguísticos o que,
durante o regime colonial, permitiu utilizar tal fato para um maior domínio e
exploração dos mesmos.
A questão da etnia, e a sua análise dentro de
categorias como o particular e o geral, também tem sido considerada
quando da tentativa epistemológica de compreender alguns fatos da nossa
história mais recente como a guerra que se seguiu à independência nacional.
Autores como John Marcum, René
Pélissier e Gerard Ghaliane, na transposição para o terreno da política de categorias
histórico-culturais, apegaram-se em categorias como a etnia e a raça,
contrapondo-se a Colin Legun, Arthur
Klinghofeer e Gerald Bender para os quais todos estes problemas de caráter político e ideológico
foram derivados do condicionamento histórico internacional. Qualquer ponto de
vista, seja para defender uma ação unipolar, seja para defender a ação bipolar,
conflui sempre numa única ideia: a concepção de etnia e da raça, herdada da
cosmovisão colonial, não permitiu dar, até ao momento, respostas às
questões que se levantam em torno da Nação para a adoção de estratégias
que vão ao encontro dos interesses, necessidades e expectativas dos angolanos.
Tal como se disse acima, as categorias como
etnia e raça foram utilizadas pela administração colonial da forma mais
sutil para a manutenção do poder neste território. Por um lado, as autoridades
coloniais direcionaram as suas ações em relação aos grupos étnicos mais
representativos, no sentido de ‘agudizarem’ (tornar agudo) e amplificarem as
querelas já existentes entre os mesmos. Por outro lado, foram privilegiando um
e outro grupo no sentido de o apresentarem como uma “casta” superior dentro do
complexo e contraditório mosaico etnolinguístico angolano. Foi neste sentido
que enquanto a administração colonial se pugnava por ações de assimilação do
grupo étnico Ambundu, que foi praticamente o centro de assimilação
ao ponto de os ambaquistas (de ambaca, dialeto Kimbundu usado nas
regiões entre o rio Cuanza e Dande) se (auto) denominaram por “mudele”, ia tratando outros grupos de maneira diferente.
Nos anos que se seguiram ao deflagrar da luta de
libertação nacional, muito destes “mundelizados” eram vistos
nas vilas e nas cidades do interior do país vestidos na capa de funcionários
públicos da administração colonial que, em ações paralelas mas perfeitamente
concertadas, foi, por um lado, convertendo certos grupos, como os Ovimbundu, em mão-de-obra barata, (utilizados maioritariamente na limpeza da
cidade capital, nas roças de café, nas plantações de algodão e pescarias) e,
por outro lado, marginalizando outros grupos. Note-se que numa altura em
que os Bakongo e os Lunda-Tchokue procuravam
refúgio nos países limítrofes, outros grupos como os Herero (Kuvale) sofriam as piores campanhas para a sua extinção. Daí que os efeitos do
Estatuto dos Indígenas Portugueses das
Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, aprovado por Decreto-lei de 20 de Maio de 1954, que consignava as
modalidades segundo as quais qualquer «indígena» das colônias portuguesas podia
ser «elevado» à condição de «assimilado» se tenham feito mais sentir nas
populações da zona costeira, com destaque de Luanda. Nas palavras de Adriano Moreira, a ideia de assimilação implicava a “adoção por parte do africano da
lei comum e da conduta nos moldes do povo colonizador”. Em teoria, qualquer
indivíduo que soubesse ler e escrever em português, e demonstrasse possuir
atividade laboral remunerada, poderia aceder a essa condição. É claro que se
isso era mais fácil para os angolanos que habitavam nas cidades e extremamente
difícil para os que viviam no campo. Quanto ao Centro e Sul de Angola, reconhece-se
que se não fosse a intervenção das Missões Protestantes, sob a égide dos
missionários americanos, canadenses e suíços, o fosso entre os grupos étnicos
do interior e os da zona costeira seria ainda maior. Daí que tenha prevalecido
no imaginário angolano - que ainda hoje continua embora com menos força - a
ideia de os quimbundos estarem mais ligados às funções administrativas nas
cidades e aos modismos, enquanto os umbundos estariam mais arraigados ao
trabalho do campo com fortes nuances de caráter tribal. A modernidade ou, se
quisermos, a urbanidade, estaria mais próxima dos quimbundos na mesma
proporção em que os ovimbundos e outros grupos étnicos continuavam agarrados e
amarrados aos seus laços tribais.
![]() |
Movimento Popular para Libertação de Angola |
Os portugueses, diferentemente de outro tipo de
colonização, iriam introduzir mais um elemento para baralhar jogo: o mestiço. Foi, de fato, este elemento que, juntamente com as elites
africanas assimiladas viria, pela primeira vez, a pôr na ordem do dia, em
Angola, a problemática da crioulidade, de igual modo elemento chave na política
colonial cujo mote foi, como se sabe, “dividir para melhor reinar”.
Logicamente que estes aspectos todos vieram a ter repercussões na gênese dos
movimentos de libertação e nos processos que mais tarde se lhe seguiram. Não
espanta, por isso que o MPLA, um
partido nascido em Luanda, tenha tido a sua base de apoio nos negros
assimilados, mestiços, brancos e a população originária do grupo étnico
Ambundu. A FNLA, por sua vez,
teve apoio de elementos maioritariamente Bakongo e a Unita, os Lunda-Chokwe e
os Ovimbundu.
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Frente Nacional de Libertação de Angola |
Logo após a ascensão de Angola à independência,
muito longe de serem dirimidas as contradições derivadas dos problemas étnicos,
estes vieram a acirrarem-se, e mesmo hoje ainda estão longe de serem
resolvidos. Uma das razões para isso é o fato de, desde a ascendência do país à
independência ao momento atual, ter prevalecido única e exclusivamente o
projeto de sociedade delineado pelo MPLA. Este projeto peca por defeito por
implicar o fim necessário das etnias e por revelar, da parte dos seus
ideólogos, um certo receio, desconhecimento e desprezo dos valores culturais
africanos. Pode citar-se, como exemplo, o posicionamento dúbio e hesitante do MPLA
para com as línguas africanas (nacionais) e o projeto absurdo do Presidente
Agostinho Neto, declarado na ocasião da fundação da União dos Escritores
Angolanos, em Dezembro de 1975 (um mês depois da independência), no qual dizia
que, a médio prazo, era necessário substituir a Língua Portuguesa por uma nova
língua feita “da amálgama dos dialetos angolanos”. Isso numa altura em que a
comunidade cientifica já havia reconhecido o fracasso do Esperanto, para o caso
da Europa, e Afrihili no Gana, e já se faziam ouvir vozes no
sentido de as línguas africanas (nacionais) angolanas serem o lado mais
visível e inequívoco da identidade cultural deste povo.
Torna-se assim premente pensar numa nova
abordagem das etnias em Angola, despindo-a de um caráter redutor ou extremista,
porquanto se sabe que a etnia, muito longe de ser vista como algo pernicioso
para a sociedade angolana, faz parte da sua vitalidade e, como tal, deve ser
preservada e inserida no projeto de sociedade que se pretende construir. Por
outras palavras, o problema étnico angolano é incontornável na construção da
nação angolana.
A História e a Antropologia angolanas dizem-nos
que a diferença fundamental entre os noves grupos étnicos mais representativos
angolanos é de ordem linguística. Daí que se torna relevante olharmos
para Angola como uma sociedade multicultural onde existe uma maioria, ou grupo
majoritário, e as minorias. O grupo majoritário é constituído pela comunidade
angolana de origem Bantu que coexiste com as minorias não-bantu (de origem
africana e europeia).
Pensando em conformidade com o
multiculturalismo, Angola, longe de ser vista como um país fragmentado por
cerca de uma dezena de grupos étnicos e centenas de subgrupos, deveria ser
encarada como uma sociedade multicultural e multiétnica com duas culturas: a
cultura bantu e a cultura não-bantu. Consequentemente, a grande tarefa do
Estado Angolano seria a de determinar e concretizar os aspectos gerais e
representativos da cultura Bantu a introduzir no projeto de sociedade que visa
a construção da nação angolana.
Não agindo assim, estar-se-á a manter vigente o status quo colonial que, em termos culturais, levou a que os angolanos
continuassem (e ainda continuam) a questionar-se da sua angolanidade, numa
altura em que é dado adquirido que as maiorias (sociedade majoritária) são o
pilar de qualquer sociedade, cabendo-lhes a honrosa tarefa de integrarem
as minorias étnicas, sociais, culturais e religiosas.
Bibliografia
- Fontes:
MOREIRA A. (1961) Politica
ultramarina. Lisboa. Junta de Investigações do Ultramar.
BITTENCOURT, M. (2001) A história
contemporânea de Angola: seus achados e suas armadilhas. Luanda CMCDP.
NETO, A. (1976) Discursos.
União dos Escritores Angolanos.
Disponível em:
http://www.ovimbundu.org/Educacao/Cronicas/As-etnias-em-Angola-Uma-nova-abordagem.html - acesso: 01/10/09
Imagens: internet.
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