quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ser Negro(a) para nós? E para os outros?

Podemos nos afirmar em nós mesmos, mas sem desprezar o outro...

Texto de Reinaldo João de Oliveira 


Parece soar bem simples o título deste texto, mas não é bem assim. Somos seres complexos e, em muitos casos, esses questionamentos aparecem. De modo que podemos situar algumas concepções.
Ser negro/a se resume à tom ou coloração de pele, formato de cabelo, opção política, raça, etnia, DNA... o que, enfim? O que define o nosso ser? Quem somos nós? Como nos vemos?

A BBC Brasil encomendou ao geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, o perfil genético de nove negros conhecidos nacionalmente. Os resultados integram uma publicação sobre as raízes afro-brasileiras.

Fazemos-nos no curso da vida. Ninguém nasce pronto. Evidente que não devemos desmerecer quem em suas dificuldades pergunta sobre si nos jardins da vida. Vida é um conceito mais amplo da nossa existência, que tenta abarcar aquilo que significa “ser no mundo”, com toda diversidade. Mas, se temos diferenças, como seres humanos, o que define o Ser Negro(a)?
Além da definição, quais os desdobramentos que implicam o ser no viver em uma sociedade como a nossa? Aliás, não nascemos em uma sociedade de iguais? O que justifica lutarmos pela igualdade? Mas, igualdade em que? É bom deixar bem claro, ou esclarer. Mas, por que não deixar negro mesmo, ou melhor, enegrecer?

Um visionário sobre a realidade social, política que precisa ser retomado sempre...

Já que falamos em conceitos, ou terminologias e desdobramentos, por que também não continuamos a buscar novos caminhos para entender nossa história, que não foi contada direito? Isso porque a perspectiva foi sempre daqueles(as) que aqui passaram carregados(as) dos seus interesses... Ou acreditamos nela (a história) tal qual foi contada (pela escola, pelas ideologias, pelos esteriótipos)? Ainda, se antes não fomos “capazes” pela constituição social e política de construirmos a nossa história, hoje podemos... ou não?

"Dom Hélder Câmara: um dos maiores defensores da libertação e da vida, do nosso tempo."

Há que se dizer, além do que já foi dito, que Educação, Direitos e Justiça são espaços de poder por excelência, e a liberdade nos cabe como critério de recontar e reivindicar esses lugares que realmente nos foi negado. Por que?
São tantas falas pejorativas que a gente acaba se perdendo no discurso, muitas vezes, e reproduzimos o que nos oprimiu. Recordar é também viver, é fazer memória. É trazer de novo à tona, ao coração, com poder de mudar o rumo da própria história, de forma crítica. Por isso, o ensino, o conhecimento, é indispensável para libertação das estruturas que exploram a vida.
Como reflete Paulo Freire: “Ensinar o povo a ver criticamente o mundo, é sempre uma prática incômoda para os que fundam seus poderes sobre a inocência dos explorados”.

Como entendemos o significado do poder, contextualizando-o?

Mas, quais os tipos de poder que são fundamentais pensarmos com os efeitos em nossa identidade? Além da memória sobre nossa história e dos poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário) há um outro tipo, que na prática funciona também para manter os demais, sobre símbolos, mitos e crenças de muitas formas. É o “poder religioso” (que se aplica como ideológico também). E esse, particularmente, é fundante na estrutura social.

"A estrutura social continua piramidal e nada democrática, quanto à igualdade de oportunidades"

Eis uma importante constatação razoável sobre nós e o que aqui procuramos pensar: “O nosso ser-no-mundo determina o nosso estar-no-mundo”! Por que estamos hoje aqui? Aliás, onde estamos? Onde queremos estar e para quê? O que fazemos que não estamos ainda onde queremos (...)? Ou, se estamos, porque a maioria de nós (negros) não temos oportunidade de chegar à lugares de poder (político, econômico, religioso)? Ainda: por que não conseguimos mudar as realidades de opressão que nos cerca? Se sofremos juntos por que não lutamos mais juntos? Por que vivemos tão separados/segregados em torno de nós mesmos, ou de pequenos grupos que mal conseguem fazer um trabalho sistêmico de transformação? O que atrapalha desenvolver nossos talentos?

Inspiração nas lutas e no ideal de união nos movimentos...

Sobre essa lógica do poder, na sociedade, a vida das pessoas negras são pré-determinadas? Se a resposta for não: por que a desigualdade social é tão mais gritante para a população negra, se comparada a população branca e demais grupos, exceto dos povos indígenas? Nem precisa citar dados, basta ver que nas estatísticas há muita diferença no aspecto mais prejudicial aos negros e índios. Por que isso?

Uma das maiores lutas e desafios nas periferias das grandes cidades brasileiras.

Retornando à pergunta original, com o acréscimo dos argumentos, o que significa Ser Negro hoje, para nós e para os outros? Vamos refletir mais? Lutar mais? Ou, melhor seria esquecer e colocar uma pedra sobre tudo isso?


Finalizo, citando um provérbio africano: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias”.
Foto: Correio da Unesco | Texto da foto: Jorge Posada





segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Viver no espírito...


UBUNTU = "Eu sou porque nós somos"

Texto para a Espiritualidade Afro | Autor: Reinaldo João de Oliveira


“Na vida, no caminho, na religião, tudo tem uma razão, uma lição. Até mesmo o que está dando errado.”


Precisamos viver no espírito, uma reconstrução de nós mesmos. Mas, o Espírito que nos guia tem o poder de nos transformar? Claro que sim, e possuímos uma base que se constitui nas experiências e Sabedorias ancestrais AfroAmeríndias: a luz desse Espírito que brilha em nossa realidade nos desafia!
Vivemos em contextos muito diversos, num mundo com rápidas mudanças e impactos destruidores nas condições de vida da humanidade no planeta. Particularmente o nosso Povo vive em condições desumanas de Submoradia, Subnutrição, Subemprego... Precisamos de método para seguir:
No espírito do ver: é necessário ter uma visão aberta para acolher o que o nosso espírito interior e integrador nos diz, inspirando novos e diferentes posicionamentos na busca para uma cultura da vida. Precisamos ter atitude de respeito e reciprocidade com todas as demais pessoas e seres, com o universo.
Poucos conseguem compreender o sentido da missão dos nossos Profetas e Mártires: ao fazerem a experiência mística de Javé, descobrem a sacralidade da Terra e percebem que Deus vê, escuta, conhece e se aproxima do povo oprimido. Assim, em nome de Deus libertador, esses/as que souberam ver a vida dos nossos ancestrais escravizados/as, se organizam para construir vida digna para todos. Vendo e sonhando juntos, conseguiremos atravessar as dificuldades e vencer.
No espírito do julgar: o que implica em nova postura que exige rupturas, ou seja, rompimento com sistemas e esquemas mentais dominantes para ultrapassarmos para o outro lado, a “Terra sem Males”: fazer disso um projeto de vida! Julgar implica ter consciência da justiça para promover a vida onde não há, para que não haja mais explorados e escravizados, nem exploradores. Assim, devemos perseguir o sonho e a crença na caminhada do povo em busca de dignidade e autonomia, coletivamente.
Para isso, é essencial uma inspiração bíblica com a revelação do sonho que gerou o Êxodo (Ex 15,2-21). Quando a esperança é forte, ela engravida a história. Nestas circunstâncias, animados pelo desejo de libertação e pela presença do Deus libertador que escuta o clamor do nosso povo (Ex 3,7-10).
No espírito do agir: agindo com a prática e inspiração bíblica, continuamos a caminhada, com a fé, ousadia e coragem dos escolhidos por Jesus, para o Reino de Deus que sofre ação violenta: “desde os dias de João, o Batista, até agora, o reino dos céus sofre violência...” (Mt. 11,12), e entraremos nele!
Jesus nos inspira, pois conheceu na sua carne o significado da violência, na dor, nos sofrimentos. E, assim como o Mestre, somos vítimas da opressão, junto a quem luta pela causa da justiça. Todo este caminho é libertador, pois carrega a solidariedade transgressora, particularmente das mulheres (Ex 1,15-22). Assim foi na ação da mãe e da irmã de Moisés (Ex 2,1-4). Depois, a ação e a fé na salvação, vinda com as primas Izabel e Maria e seus filhos João Batista e Jesus de Nazaré (a salvação da morte prematura dos nascidos e capacitados para liderar o povo, na travessia da escravidão para a liberdade).
No espírito do celebrar: ansiando a luta contra a opressão, o sentido da celebração (Ex 15,19-21)! Celebrar é preciso, mas só não basta! Antes, o povo precisa sair do Egito, da terra da escravidão. Na celebração está o sentido da memória de todos os que lutaram e de quem hoje luta para construir um futuro. Na celebração está implícito o caminhar pelo deserto e a confiança na força de Javé, no projeto de autonomia, liberdade e vida com dignidade para todos!
O resgate desta memória do êxodo bíblico pode ajudar-nos a superar a tentação do “ter”, a ganância e a ambição desmedida de acumular ou de consumir. O texto de Êxodo 16,16-18 pergunta-nos se somos capazes de partilhar bens, saberes, dons; se aceitamos aprender algo das antigas sabedorias afroameríndias; se somos capazes de vivenciar a experiência sagrada de dialogar e de comer juntos; se estamos dispostos a recuperar a dignidade da nossa espécie, do nosso povo, como Povo de Deus.

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