segunda-feira, 29 de agosto de 2011

INTERPRETAÇÃO AFRODESCENDENTE DA BÍBLIA E A PASTORAL

por Reinaldo João de Oliveira
(Mestre em Teologia Sistemática) in Artigo: Teoafricanidades em diálogos e perspectivas.

As interpretações bíblicas para a reflexão teológica são fundamentais como ‘refontização’. Elizabeth S. Fiorenza abordou recentemente em uma de suas obras, crítica e metodologicamente, a política interpretativa dos textos bíblicos. Ela menciona a codificação racista em termo de cores: Jesus branco sobre um pano de fundo preto – elaborado como uma compreensão de Heine acusando de que retrata Jesus enquanto pregador itinerante, sob uma “clara luz” a fim de contrastá-lo com as trevas patriarcais da sociedade judaica de sua época. Elizabeth se baseia numa visão mais analítica kyriárquica, que concebe existente um sistema que ainda prevalece sob o caráter da mistificação ideológica dos sistemas ocidentais de dominação, presente na filosofia clássica – aristotélico-tomista (in Fiorenza, 2005, p. 147.). Embora a autora tenha se detido falar sobre a política da interpretação do “Jesus Histórico”, ela abre uma fenda na questão das “escolhas” para modelos e pesquisas, onde se estuda e se crê na perspectiva dos fundamentos. Basta os olhares críticos sobre os textos bíblicos para perceber que as realidades não exploradas hoje, também fazem parte de determinada política de escolha. Quando entendemos a importância que há de se resgatar a identidade e as raízes de um povo que viveu processos de escravidão e de ‘diásporas forçadas’, sabemos que na postura de uma liderança está um papel muito importante, até profético. Este é um jeito de ler na história onde se rompe a corrente de transmissão fidedigna da palavra de Deus revelada com a implicação da exegese. Para resgatar o que se perdeu no caminho, e que ainda se perde – quando há possibilidade de construírem-se caminhos que buscam incluir ao invés de excluir, coibir (como muitas políticas que servem para justificar mais a opressão do que a libertação). Assim para contextualizar uma realidade histórica brasileira, do ensino, ou de catequização dos costumes, utilizaram-se de imagens bíblicas, justificando a escravidão dos negros, deixando evidenciado uma política de interpretação reconhecidamente opressora.

Livro: Jesus e a política da interpretação. De: Elisabeth Schüssler Fiorenza.

Em nossa perspectiva de leitura das fontes bíblicas, podemos nos perguntar através dos Evangelhos, como iluminação: se sabemos que ao pregar o Reino de Deus, Jesus privilegia os pobres e os excluídos do seu tempo. E hoje, nas leituras que se fazem a respeito, percebemos com evidência quais os rostos mais pobres e sofredores... Como reflete a análise da V CELAM – de Aparecida – estes rostos estão reconhecidos os indígenas e os afro-americanos entre os mais pobres, excluídos, explorados e até tratados pela sociedade do consumo capitalista como “supérfluos” e “descartáveis” (Ronaldo Muñoz, 2010, p. 102.).

 Livro: A missão em debate: provocações à luz de Aparecida. Artigo citado de: Ronaldo Muñoz. A opção pelos pobres como expressão da autenticidade da missão.

Nestas leituras “em perspectiva do olhar a partir da negritude”, como afirmam alguns teóricos, um importante meio para apresentar verdades esquecidas, ignoradas - não descritas - por estudiosos e líderes de comunidades em suas ações pastorais? Poucos diriam, a partir da reflexão sobre Evangelho de Mc 14, que Simão Cirineu seria um africano, e que pelo fato significativo de ter o seu nome e o de seus filhos explicitados no texto, tem importância fundante. Este não seria um dos sentidos do resgate identitário representado na Soteriologia, como estudo? Lemos, também, um exemplo de ação apostólica (pastoral) na carta dos Atos dos Apóstolos, em viajem missionária, que Filipe encontra-se com um Etíope que lhe pede explicações sobre um trecho do Profeta Isaías, o qual lia pelo caminho, conforme relata o capítulo oitavo, e depois pede o Batismo.
Ainda, nas fontes bíblicas, podemos ler que dentre os doutores que autorizaram a vinda de Paulo e Barnabé para o Ocidente estavam aqueles que foram, antes deles, os responsáveis pela transmissão da Palavra naquele contexto original da experiência da revelação cristã fundante “afro-asiática” (cf. At 13, 1-3), em Antioquia. E, ainda, segundo a explicitação da exegese (trad. Bíblia de Jerusalém), estes doutores, provavelmente judeus helenistas, eram habilitados ao ensino moral e doutrinal da Igreja primitiva (ver em At 11,27s e 1Cor 12-14s). Porém, não é necessário pinçar personalidades africanas na Bíblia, que não é o suficiente. Mas é necessário aprender a ler a Bíblia com olhares a partir da nossa coerência histórica e com o nosso jeito, sem precisar renunciar o que existe de autêntico em nossas interpretações. É uma forma inegável de se buscar questionar os escritos, em suas interpretações (inclusões e exclusões), na exegese dos textos, nos discursos e leituras. Podemos, com isso, entender melhor os espaços africanos na Bíblia. Ler a Bíblia tendo presente suas várias possibilidades, óticas até aqui não tão exploradas, como perspectivas de leituras teológicas, como atitudes coerentes.
É possível ler o texto e perguntar se antes já havia “segregação” nas comunidades dos discípulos? É perceptível que a comunidade cristã era constituída também por profetas e doutores africanos, em Antioquia (cf. At 13), onde inicia o movimento Cristão, para depois ir com Paulo e Barnabé à outros lugares. É bom que se pense, na dimensão do resgate e da auto-estima, que a questão dos conflitos étnicos e religiosos certamente foram suscitados, porém não problematizados como hoje: no aspecto racial, ideologicamente. Já antecipamos em outro diálogo este problema. Na dimensão social foram reproduzidas concepções distintas sobre raças, carregadas de ideologias: como a teoria raciologista, já há tempos superada pela própria genética. E há outras formas possíveis de se pensar como realizar uma política interpretativa de inclusão, a partir do resgate de textos em fontes cristãs, realizando também em outras tradições até mais antigas de que o próprio cristianismo (cf. Nm 12; Ex 15,20).
O grupo do povo de Israel foi também migrante pela África, onde percorreu durante séculos e a própria história da humanidade atesta ser o “lugar” de origem dos povos da terra. Podemos fazer uma leitura bíblica sobre o livro de Êxodo 15, 20, relacionando ao contexto de celebração, liturgia, perguntando sobre nossas origens rituais, onde se canta e se dança utilizando tambores, tamborins... Esta era uma liturgia muito importante na História do Povo de Israel - O Canto de saída do povo da África, nas regiões do Egito, bem como representantes de povos como Efraim e Manassés – cenários de grandes episódios e personagens da Genealogia no primeiro Testamento (histórias de Abraão, Sara, Agar, Esaú, Isaac, Jacó, Moisés, Elias etc.). Assim, como um aprofundamento para pensar as origens ou re-significar os mitos antigos em símbolos culturais, étnicos e religiosos (cf. Gn 2; Cântico dos cânticos 1, 5).
Até em outras tradições religiosas de origens africanas e afrobrasileiras podemos pensar a Teologia, sobre os temas do Monoteísmo, Eleição e Revelação de Deus, nestes contextos (Afonso Maria Ligório Soares 2006, pp. 91-107.).

Livro: Negra sim, negro sim, como Deus me criou – Leitura da Bíblia na Perspectiva da Negritude. Artigo/Destaque de: Afonso Maria Ligório Soares. Teologia da revelação e negritude.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FONTES

Para pensarmos e desenvolvermos nossa reflexão numa ótica de teoafricanidade, podemos e devemos começar valorizando as culturas que constituíram-se particularmente dos povos nativos e dos transplantados a este continente latino-americano. Não podemos nos omitir em buscar valorizar as culturas, as experiências de fé, religiosa, e a própria dimensão pastoral e teológica sobre cada um destes pontos. Afinal, não seria esse (de resgates) um dos sentidos para o “fazer teológico” latino-americano e afro-brasileiro?
O diálogo que buscamos assumir, neste sentido, favorece um olhar para o interior das culturas como espaço (ou lugar) de reconhecimento e legitimação, que é uma exigência para situarmo-nos no mundo contemporâneo.
A reflexão que desenvolvemos para se pensar uma epistemologia, que passe por uma hermenêutica, a dimensão teológica africana, afroamericana como “lugar” e “casa” que abriga o pensamento reflexivo e vivencial de “olhar-escuta” e “saber” aprendente e comunicativo.
Para tanto, o método que nos desafiamos não necessitam renunciar o que já se construiu, mas abre-se neste “alargamento” para o que vem, sem precisar romper os horizontes, mas estendê-los. Importante ressaltar que neste sentido o “onde estamos” determina o nosso pensar. Não apenas a “compreensão” do outro, mas a relação com este. Assim, um caminho possível está em inserir, na produção teológica, o resgate dos elementos culturais e narrativos como alternativas de atitudes para ações pastorais.
Também na perspectiva da práxis do Ensino, voltado para as identidades e os caminhos da missão, todos os olhares para a história dos povos, incluindo as que não foram devidamente contadas – e que por isso permanecem na marginalidade da oralidade do povo.
As outras formas de leituras e interpretações vêm contribuir para atitudes práticas de empoderamentos bíblicos, litúrgicos, mas também sociais. Este projeto nasce como uma forma de valorização das pessoas, na relação com a Palavra de Deus nas comunidades e nos grupos que se inspiram com os conteúdos desenvolvidos pela teoafricanidade, como desafio ao diálogo e outras perspectivas.

 

sábado, 20 de agosto de 2011

Por que a Democracia na África é uma questão estratégica?

Prof. Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos

Estamos habituados pela mídia a ver o continente africano como território de tragédias e de más noticias, onde a violência, a corrupção e o genocídio como eventos exclusivos daquele continente. Infelizmente questões como genocídio fazem parte da realidade da Europa, da Ásia e das Américas.
Como estão os Governos africanos? Há dados que indicam que a economia cresce de maneira geral, com diferenças entre os paises, mas a economia não pode ser vista como o único item. {Para falar sobre isto} hoje utilizamos uma expressão chamada de governança.
A definição geral de governança “é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento”, implicando ainda “a capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções”.
A capacidade governativa não é avaliada apenas pelos resultados das políticas governamentais, e sim também pela forma pela qual o governo exerce o seu poder. Uma boa governança só é possível num regime democrático que respeite os direitos humanos.
A criação de um sistema nacional fiscal comprometido com a cidadania é fundamental na construção da capacidade do Estado de melhoria das condições de governança e, simultaneamente, serve para reforçar o elo de responsabilidade entre eleitores e liderança. Vale ressaltar que, enquanto a boa governança é uma condição sine qua non para o desenvolvimento, seu papel na prevenção de violência também é observado.
Um regime democrático não se resume a realização de eleições de forma regular, planejada, com ampla participação, o respeito aos direitos humanos, e os direitos das minorias também deve ser observado.
Hoje, as eleições são realizadas em quase toda parte, com raras exceções, como a Eritréia. Até mesmo os líderes autoritários, como Robert Mugabe, do Zimbábue, e Hassan Omar Al-Bashir, do Sudão, realizam eleições, embora a sua validade seja geralmente contestada.
Mas será que as eleições realmente “curam” uma sociedade dividida? Sem dúvida, o trabalho das instituições democráticas pode desempenhar um papel crítico e construtivo. Mas, alguns lugares do mundo há falta delas - com os parlamentos fracos, tribunais disfuncionais, uma mídia paralisada.
As eleições acabam podem piorar as coisas, por várias razões. Primeiro, as eleições têm um "nós contra eles" dinâmico, que muitas vezes agrava os conflitos sociais com os políticos, tentando mobilizar simpatizantes em torno das diferenças, como no Quênia em 2007, onde a violência pós-eleitoral deixou um saldo de muita violência. Os eleitores precisam acreditar que as eleições inaugurarão um período de rotatividade dos líderes, pois muitas vezes os lideres se vêem eternos, sem uma história democrática, as tensões sociais podem subir.
Outros aspectos da democracia são, indiscutivelmente, mais importantes do que eleições. O Federalismo - a distribuição de poder às autoridades regionais ou locais é uma importante inovação estrutural que pode promover a paz no Congo ou em outros países Africanos.
É claro, o federalismo é geralmente resultado de complicadas negociações entre os líderes nacionais e regionais e que só entra em vigor durante um período de tempo. Exemplificando, as eleições nacionais na Nigéria têm sido problemática, pois a governança ainda é pobre a distribuição de poder junto aos estados foi destruída por conflitos regionais.
A questão do Federalismo em África é importante no reconhecimento do papel das lideranças regionais, mas é bom lembrar que isto não se deve ao tribalismo, como alguns procuram simplificar uma situação tão complexa. Imaginem o país como o Brasil, os Governadores de Estado não tivessem poder de influencia que tem sobre o Governo Federal o país seria ingovernável.
Por muito tempo a imagem de África esteve ligada a corrupção de governo, a guerras e as doenças. Notícias econômicas também sempre foram más. De 1975 a 1995, o continente atolado em conflitos e com crescimento do endividamento e hiperinflação. Agora a história está mudando. Durante os últimos 10 anos, seis das economias que mais cresceram no mundo África Sub-Saariana., nos próximos cinco anos, a República Democrática do Congo, Etiópia, Gana, Moçambique, Nigéria, Tanzânia e Zâmbia podem crescer a uma média acima de 7,2 por cento ao ano.
Durante este período, a economia média Africana vai superar sua contraparte na Ásia. África tornou-se um importante mercado emergente e, em comparação com outras regiões, tem uma taxa relativamente alta de retorno de investimentos.
Em muitos países, a reforma política tem acompanhado o crescimento econômico, permitindo que os empresários locais prosperem. Prevê-se que 2030, o numero de consumidores em África chegue a 300 milhões de pessoas com um potencial de consumo de 2.200.000.000.000 $ por ano, o que equivale a cerca de três por cento do consumo mundial, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento.
China é uma das muitas nações que se anteciparam. Suas empresas estão fazendo negócios em cada um dos 54 países da África. Comércio entre China e África vai quase triplicar para US $ 300 bilhões até 2015, de acordo com o Standard Bank da África do Sul. Empresas da Índia e do Brasil também estão em busca de oportunidades comerciais em todo o continente. A União Européia está agressivamente negociando acordos que darão às empresas o acesso da UE ao mercado Africano. As empresas dos EUA têm sido lentas, no entanto, reconhecem o potencial da África. A última vez que um secretário de Comércio EUA havia visitado a região foi em 2002, quando Donald Evans era o Secretário. A secretária de Estado Hillary Clinton liderou uma grande delegação, em junho de 2011 para participar Forum Opportunity Act, em Lusaka, Zâmbia, em um esforço para aprofundar as relações comerciais com os EUA.
A maioria dos governos Africanos desenvolve estratégias para reduzir a pobreza, e isso levou a melhorias na saúde pública e educação. Líderes empresariais e organizações da sociedade civil, entre outros, estão contribuindo para um novo espírito de debate e de tolerância.
A mídia brasileira não acordou para estes fatos importantes.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

2011: Ano Internacional dedicado aos Povos Afrodescendentes*

* Reflexão a partir da Sexagésima quarta sessão pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, com pesquisas, acréscimos e aprofundamentos de Reinaldo João de Oliveira, em diálogo com grupos e personalidades de comunidades negras – em torno do tema exposto.



Segundo Navi Pillay, Comissária da ONU para os Direitos Humanos, “este Ano Internacional oferece uma oportunidade única para redobrar nossos esforços na luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e outras formas de intolerância que afetam as pessoas de ascendência africana em toda parte.” Porém, me instiga perguntar: Será? Como se daria isso?
Estima-se que 150 milhões de pessoas que se identificam como sendo de ascendência africana vivem na América Latina e no Caribe. Muitos outros milhões vivem em outras partes do mundo, fora do continente africano – em “Diásporas”, ainda que forçadas.


Quantas "Áfricas"?

A resolução da ONU afirma que ao proclamar o Ano Internacional, a comunidade internacional está reconhecendo que as pessoas de ascendência africana representam um setor específico da sociedade, cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos. Porém, o que podemos refletir, é se tais direitos estão sendo promovidos adequadamente.



Constata-se na Declaração e no Programa de Ação de Durban que as pessoas de ascendência africana são reconhecidas como um grupo de vítimas específicas que continuam sofrendo discriminação, como legado histórico do comércio transatlântico de escravos. Mesmo afrodescendentes que não são descendentes diretos dos escravos enfrentam o racismo e a discriminação que ainda hoje persistem, gerações depois do comércio de escravos (eis a conseqüência do racismo para todos negros – como muitos depois a mencionaram como a “herança maldita”). Talvez este seja um dos motivos já sentidos e levados para fins de “levantes” em prol da comunidade negra, inspirando movimentos e grupos que sustentaram bandeiras, ideais e luta.


Um dos motivos apresentados pelo setor responsável da ONU, ao promover este ano como dedicado aos afrodecendentes, é o de buscar corrigir os erros do passado. Mirjana Najcevska, Presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana, declarou que “este é o ano para reconhecer o papel das pessoas de ascendência africana no desenvolvimento global e para discutir a justiça para atos discriminatórios correntes e passados que levaram à situação de hoje”.
O racismo obsceno que foi a base do comércio de escravos e da colonização ainda ressoa hoje. Ele se manifesta de diversas maneiras, às vezes sutilmente, às vezes inconscientemente, como preconceito contra as pessoas com pele mais escura.
Para encontrar formas de combater o racismo, a ex-Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana, encarregado de recomendar medidas para promover a igualdade de direitos e oportunidades. Foi criado em 2001 para analisar a situação e as condições de africanos e pessoas de ascendência africana, a fim de enfrentar a discriminação que elas sofrem.
O Grupo de Trabalho concluiu que alguns dos mais importantes desafios que enfrentam as pessoas de ascendência africana dizem respeito à administração da justiça e seu acesso à educação, emprego, saúde e habitação.
Em alguns países, embora possam ser uma minoria, as pessoas de ascendência africana constituem uma parte da população carcerária desproporcionalmente alta percentagem e recebem sentenças mais duras do que os da etnia predominante. O enquadramento racial – que resulta na sistemática segmentação de pessoas de ascendência africana por policiais – criou e perpetuou grave estigmatização e estereótipos dos afrodescendentes como dotados de uma propensão à criminalidade (aqui podemos discutir a tese – raciologista - de Du Bois, estendendo para Martin Luther King e outros líderes que se firmaram na causa da defesa dos direitos humanos e políticos da população negra).
Em muitos países com grande população de afrodescendentes, este setor da sociedade tem menos acesso e níveis mais baixos de educação. As evidências mostram que, quando as pessoas de ascendência africana têm maior acesso à educação, participam de forma mais igualitária em todos os aspectos políticos, econômicos e culturais da sociedade, bem como no avanço e no desenvolvimento econômico de seus países. Da mesma forma, elas encontram-se em melhores condições para defender seus próprios interesses.
O Grupo de Trabalho também constatou que os afrodescendentes sofrem de desemprego em um nível mais elevado do que outros setores das sociedades em que vivem e de acesso restrito à saúde e à habitação, muitas vezes devido à discriminação estrutural que está incorporada dentro de suas sociedades.
O Grupo de Trabalho salienta que a coleta de dados desagregados sobre a base da etnia é um aspecto importante de abordagem dos direitos humanos de afrodescendentes. As políticas de governo para combater o racismo e a discriminação não podem ser corretamente formuladas, muito menos aplicadas, se essa informação não estiver disponível.
Em forma de uma Campanha Global a Assembleia Geral da ONU proclamou 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, citando a necessidade de fortalecer as ações nacionais e a cooperação internacional e regional para assegurar que as pessoas de ascendência africana gozem plenamente de direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos.
Navi Pillay, Comissária da ONU para os Direitos Humanos, declarou que “O Ano Internacional deve se tornar um marco na campanha em curso para promover os direitos das pessoas de ascendência africana. Merece ser acompanhada de atividades que estimulem a imaginação, aprimorem nossa compreensão da situação das pessoas de ascendência africana e seja um catalisador para uma mudança real e positiva na vida diária de milhões de pessoas ao redor do mundo.”
O Ano visaria ainda promover a integração de pessoas de ascendência africana em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais da sociedade, e promover maior conhecimento e respeito pela sua herança e cultura diversificadas. O Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes foi lançado no Dia dos Direitos Humanos, 10 de dezembro de 2010, pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon.
Foi dado que o principal objetivo do Ano seria de aumentar a consciência dos desafios que as pessoas de ascendência africana enfrentam. Esperava-se, assim, que o Ano promovesse discussões com vários parceiros, e que estes proponham soluções para a questão. No entanto, o que estamos observando, é uma ausência e desconhecimento muito grande acerca destes aspectos levantados, até mesmo em vários grupos, espaços, onde a comunidade que luta e defende a causa afro.
Afirmaram os gestores neste programa que durante o ano de 2011 diversos eventos internacionais seriam realizados.  Contudo, pouco realmente foi feito. Apresentaram em 2 de março, em Genebra (Suíça), um painel de discussão com a participação dos Estados-Membros e da sociedade civil, onde abordaram questões de direitos humanos das pessoas de ascendência africana durante a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Nesta mesma semana, em 7 de março, uma rodada de discussões, realizada pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, também em Genebra. Segundo as autoridades, essas discussões serviram para aumentar a conscientização sobre as causas e consequências da discriminação contra as pessoas de ascendência africana e promover a visibilidade de seus diversificados patrimônio e cultura.
Também em março, o Grupo de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana discutiu formas de contextualizar o Ano Internacional, ilustrando o porquê de sua necessidade. Esta reunião foi realizada em Genebra de 28 de março a 1º de abril.
Segundo os organizadores, o Ano Internacional será encerrado em setembro próximo, com a convocação de um debate de alto nível sobre as conquistas das metas e dos objetivos do Ano, durante a sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Firmaram que haverá uma coalizão de organizações da sociedade civil criada para promover o Ano. Esta, segundo eles, realizará memoriais, seminários, eventos culturais e outras atividades ao redor do mundo para sensibilizar a opinião pública sobre a contribuição dos descendentes de africanos ao patrimônio mundial, identificando os obstáculos que ainda precisam ser superados. Todos, e em particular as próprias pessoas de ascendência africana, são encorajados a realizar atividades para contribuir para o sucesso do Ano.



No Brasil, um relatório aponta desigualdades raciais. Assim, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Fundação AVINA e HEIFER Internacional, lançaram o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 em Salvador, Bahia, região Nordeste do estado brasileiro.
O relatório é uma publicação do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER) da UFRJ, que tem como coordenador o Professor Marcelo Paixão, também responsável pela pesquisa.
Segundo Marcelo, o relatório tem como eixo o tema das desigualdades e monitoramento através dos indicadores econômicos, sociais e demográficos e "servirá de base para monitorar as construções das políticas públicas raciais no país". O relatório quer também observar os avanços e recuos existentes no Brasil em termos de igualdade em todos os níveis.
Para Marcelo, "o relatório tem que ser conhecido e amplamente divulgado em todo país". Ele foi lançado em Porto alegre, na semana passada, Rio de janeiro, Salvador, e na próxima semana em São Paulo. "Trata-se de um trabalho acadêmico, no entanto, suas informações falam não somente de dados, mas de vidas", afirma.
O relatório aponta questões como: evolução demográfica da população brasileira segundo raça e cor; perfil da mortalidade; desigualdade de cor ou raça no acesso a educação; desigualdade no mercado de trabalho; condições materiais de vida e acesso ao poder institucional, políticas públicas e marcos legais.
O material é sugerido aos estudiosos do tema, ativistas do movimento negro, dos movimentos sociais diversos e entidades afins. Contém 83 gráficos, 90 tabelas, 37 boxes, 10 quadros e 13 mapas.
A coordenação do laboratório sugere que outras instituições tomem a mesma iniciativa, elaborando um relatório das desigualdades no seu estado. Outra sugestão é se cadastrar no fichário eletrônico das desigualdades raciais, no site do laboratório http://www.laeser.ie.ufrj.br/, e buscar os grupos indicadores.

Simplificando estes dados, alguns casos de Desigualdades no Brasil exemplificam tamanha desigualdade existente no país, na área da saúde, por exemplo, os índices de mortalidade infantil revelam que para cada mil crianças nascidas vivas 37,3 são brancas e 62,3 negras morrem antes de completarem um ano. Para os casos de violência, a taxa de homicídio entre os brancos é de 38,1%, e para os negros 52,6% na faixa etária entre 15 e 25 anos. Os dados são do site Mundo Negro, entre outras pesquisas que fizemos. Contudo, muitas outras estatísticas são mencionadas e podem ser conferidas pelos Censos Nacionais, além de outras pesquisas que deixam evidentes a implicação de um sistema excludente para a população negra.
Neste Blog há um artigo de Sueli Carneiro, que apresenta outros dados e reflexões sob este enfoque, com o título de RAÇA, CULTURA E CLASSE NO BRASIL.


Acesso pelo TWITTER

Acesso pelo TWITTER
Clique sobre a imagem!