segunda-feira, 1 de agosto de 2011

2011: Ano Internacional dedicado aos Povos Afrodescendentes*

* Reflexão a partir da Sexagésima quarta sessão pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, com pesquisas, acréscimos e aprofundamentos de Reinaldo João de Oliveira, em diálogo com grupos e personalidades de comunidades negras – em torno do tema exposto.



Segundo Navi Pillay, Comissária da ONU para os Direitos Humanos, “este Ano Internacional oferece uma oportunidade única para redobrar nossos esforços na luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e outras formas de intolerância que afetam as pessoas de ascendência africana em toda parte.” Porém, me instiga perguntar: Será? Como se daria isso?
Estima-se que 150 milhões de pessoas que se identificam como sendo de ascendência africana vivem na América Latina e no Caribe. Muitos outros milhões vivem em outras partes do mundo, fora do continente africano – em “Diásporas”, ainda que forçadas.


Quantas "Áfricas"?

A resolução da ONU afirma que ao proclamar o Ano Internacional, a comunidade internacional está reconhecendo que as pessoas de ascendência africana representam um setor específico da sociedade, cujos direitos humanos devem ser promovidos e protegidos. Porém, o que podemos refletir, é se tais direitos estão sendo promovidos adequadamente.



Constata-se na Declaração e no Programa de Ação de Durban que as pessoas de ascendência africana são reconhecidas como um grupo de vítimas específicas que continuam sofrendo discriminação, como legado histórico do comércio transatlântico de escravos. Mesmo afrodescendentes que não são descendentes diretos dos escravos enfrentam o racismo e a discriminação que ainda hoje persistem, gerações depois do comércio de escravos (eis a conseqüência do racismo para todos negros – como muitos depois a mencionaram como a “herança maldita”). Talvez este seja um dos motivos já sentidos e levados para fins de “levantes” em prol da comunidade negra, inspirando movimentos e grupos que sustentaram bandeiras, ideais e luta.


Um dos motivos apresentados pelo setor responsável da ONU, ao promover este ano como dedicado aos afrodecendentes, é o de buscar corrigir os erros do passado. Mirjana Najcevska, Presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana, declarou que “este é o ano para reconhecer o papel das pessoas de ascendência africana no desenvolvimento global e para discutir a justiça para atos discriminatórios correntes e passados que levaram à situação de hoje”.
O racismo obsceno que foi a base do comércio de escravos e da colonização ainda ressoa hoje. Ele se manifesta de diversas maneiras, às vezes sutilmente, às vezes inconscientemente, como preconceito contra as pessoas com pele mais escura.
Para encontrar formas de combater o racismo, a ex-Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana, encarregado de recomendar medidas para promover a igualdade de direitos e oportunidades. Foi criado em 2001 para analisar a situação e as condições de africanos e pessoas de ascendência africana, a fim de enfrentar a discriminação que elas sofrem.
O Grupo de Trabalho concluiu que alguns dos mais importantes desafios que enfrentam as pessoas de ascendência africana dizem respeito à administração da justiça e seu acesso à educação, emprego, saúde e habitação.
Em alguns países, embora possam ser uma minoria, as pessoas de ascendência africana constituem uma parte da população carcerária desproporcionalmente alta percentagem e recebem sentenças mais duras do que os da etnia predominante. O enquadramento racial – que resulta na sistemática segmentação de pessoas de ascendência africana por policiais – criou e perpetuou grave estigmatização e estereótipos dos afrodescendentes como dotados de uma propensão à criminalidade (aqui podemos discutir a tese – raciologista - de Du Bois, estendendo para Martin Luther King e outros líderes que se firmaram na causa da defesa dos direitos humanos e políticos da população negra).
Em muitos países com grande população de afrodescendentes, este setor da sociedade tem menos acesso e níveis mais baixos de educação. As evidências mostram que, quando as pessoas de ascendência africana têm maior acesso à educação, participam de forma mais igualitária em todos os aspectos políticos, econômicos e culturais da sociedade, bem como no avanço e no desenvolvimento econômico de seus países. Da mesma forma, elas encontram-se em melhores condições para defender seus próprios interesses.
O Grupo de Trabalho também constatou que os afrodescendentes sofrem de desemprego em um nível mais elevado do que outros setores das sociedades em que vivem e de acesso restrito à saúde e à habitação, muitas vezes devido à discriminação estrutural que está incorporada dentro de suas sociedades.
O Grupo de Trabalho salienta que a coleta de dados desagregados sobre a base da etnia é um aspecto importante de abordagem dos direitos humanos de afrodescendentes. As políticas de governo para combater o racismo e a discriminação não podem ser corretamente formuladas, muito menos aplicadas, se essa informação não estiver disponível.
Em forma de uma Campanha Global a Assembleia Geral da ONU proclamou 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, citando a necessidade de fortalecer as ações nacionais e a cooperação internacional e regional para assegurar que as pessoas de ascendência africana gozem plenamente de direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos.
Navi Pillay, Comissária da ONU para os Direitos Humanos, declarou que “O Ano Internacional deve se tornar um marco na campanha em curso para promover os direitos das pessoas de ascendência africana. Merece ser acompanhada de atividades que estimulem a imaginação, aprimorem nossa compreensão da situação das pessoas de ascendência africana e seja um catalisador para uma mudança real e positiva na vida diária de milhões de pessoas ao redor do mundo.”
O Ano visaria ainda promover a integração de pessoas de ascendência africana em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais da sociedade, e promover maior conhecimento e respeito pela sua herança e cultura diversificadas. O Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes foi lançado no Dia dos Direitos Humanos, 10 de dezembro de 2010, pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon.
Foi dado que o principal objetivo do Ano seria de aumentar a consciência dos desafios que as pessoas de ascendência africana enfrentam. Esperava-se, assim, que o Ano promovesse discussões com vários parceiros, e que estes proponham soluções para a questão. No entanto, o que estamos observando, é uma ausência e desconhecimento muito grande acerca destes aspectos levantados, até mesmo em vários grupos, espaços, onde a comunidade que luta e defende a causa afro.
Afirmaram os gestores neste programa que durante o ano de 2011 diversos eventos internacionais seriam realizados.  Contudo, pouco realmente foi feito. Apresentaram em 2 de março, em Genebra (Suíça), um painel de discussão com a participação dos Estados-Membros e da sociedade civil, onde abordaram questões de direitos humanos das pessoas de ascendência africana durante a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Nesta mesma semana, em 7 de março, uma rodada de discussões, realizada pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, também em Genebra. Segundo as autoridades, essas discussões serviram para aumentar a conscientização sobre as causas e consequências da discriminação contra as pessoas de ascendência africana e promover a visibilidade de seus diversificados patrimônio e cultura.
Também em março, o Grupo de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana discutiu formas de contextualizar o Ano Internacional, ilustrando o porquê de sua necessidade. Esta reunião foi realizada em Genebra de 28 de março a 1º de abril.
Segundo os organizadores, o Ano Internacional será encerrado em setembro próximo, com a convocação de um debate de alto nível sobre as conquistas das metas e dos objetivos do Ano, durante a sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Firmaram que haverá uma coalizão de organizações da sociedade civil criada para promover o Ano. Esta, segundo eles, realizará memoriais, seminários, eventos culturais e outras atividades ao redor do mundo para sensibilizar a opinião pública sobre a contribuição dos descendentes de africanos ao patrimônio mundial, identificando os obstáculos que ainda precisam ser superados. Todos, e em particular as próprias pessoas de ascendência africana, são encorajados a realizar atividades para contribuir para o sucesso do Ano.



No Brasil, um relatório aponta desigualdades raciais. Assim, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Fundação AVINA e HEIFER Internacional, lançaram o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 em Salvador, Bahia, região Nordeste do estado brasileiro.
O relatório é uma publicação do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER) da UFRJ, que tem como coordenador o Professor Marcelo Paixão, também responsável pela pesquisa.
Segundo Marcelo, o relatório tem como eixo o tema das desigualdades e monitoramento através dos indicadores econômicos, sociais e demográficos e "servirá de base para monitorar as construções das políticas públicas raciais no país". O relatório quer também observar os avanços e recuos existentes no Brasil em termos de igualdade em todos os níveis.
Para Marcelo, "o relatório tem que ser conhecido e amplamente divulgado em todo país". Ele foi lançado em Porto alegre, na semana passada, Rio de janeiro, Salvador, e na próxima semana em São Paulo. "Trata-se de um trabalho acadêmico, no entanto, suas informações falam não somente de dados, mas de vidas", afirma.
O relatório aponta questões como: evolução demográfica da população brasileira segundo raça e cor; perfil da mortalidade; desigualdade de cor ou raça no acesso a educação; desigualdade no mercado de trabalho; condições materiais de vida e acesso ao poder institucional, políticas públicas e marcos legais.
O material é sugerido aos estudiosos do tema, ativistas do movimento negro, dos movimentos sociais diversos e entidades afins. Contém 83 gráficos, 90 tabelas, 37 boxes, 10 quadros e 13 mapas.
A coordenação do laboratório sugere que outras instituições tomem a mesma iniciativa, elaborando um relatório das desigualdades no seu estado. Outra sugestão é se cadastrar no fichário eletrônico das desigualdades raciais, no site do laboratório http://www.laeser.ie.ufrj.br/, e buscar os grupos indicadores.

Simplificando estes dados, alguns casos de Desigualdades no Brasil exemplificam tamanha desigualdade existente no país, na área da saúde, por exemplo, os índices de mortalidade infantil revelam que para cada mil crianças nascidas vivas 37,3 são brancas e 62,3 negras morrem antes de completarem um ano. Para os casos de violência, a taxa de homicídio entre os brancos é de 38,1%, e para os negros 52,6% na faixa etária entre 15 e 25 anos. Os dados são do site Mundo Negro, entre outras pesquisas que fizemos. Contudo, muitas outras estatísticas são mencionadas e podem ser conferidas pelos Censos Nacionais, além de outras pesquisas que deixam evidentes a implicação de um sistema excludente para a população negra.
Neste Blog há um artigo de Sueli Carneiro, que apresenta outros dados e reflexões sob este enfoque, com o título de RAÇA, CULTURA E CLASSE NO BRASIL.


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Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

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