terça-feira, 24 de agosto de 2010

ANÁLISE SOBRE O V CELAM : em perspectiva Afro

Além da referência ao documento 85 da CNBB, aproveitamos das análises de um dos autores sobre o Documento do Episcopado Geral Latino-Americano e Caribenho, reunido em Aparecida, referente à questão Afro-descendente e Indígena, para começar por onde mais desemboca a questão, ou as questões relacionadas com a Teologia Afro-latino-americana e Teologia Índia.

Paulo Suess, em sua leitura pastoral do Documento de Aparecida, inicia afirmando que o Documento apresenta “‘uma análise lúcida sobre a realidade dos afro-descendentes na América Latina e no Caribe, porém ela é também genérica’. Amiúde, constata-se o que estamos cansados de ouvir, ou seja, ‘Os afro-americanos constituem uma das raízes da identidade latino-americana e caribenha, que foi arrancada da África e trazida para cá como gente escravizada. Sua história tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social.’”

Não sei se seria correto fazer tal afirmação, a modo de constatação de uma compreensão sobre os modos de exclusão a que os nossos bispos, a comissão geral reflete em Aparecida. A questão é que além destas exclusões somam-se outras, como, a começar, pela exclusão lingüística e midiática. Quando tratamos desta realidade que “é nossa” não mais “deles”, estamos já aí estabelecendo um limite para o diálogo. Por que seria? Vejamos, somos um povo, uma nação “mista”, e, certamente, apesar de ser uma minoria ainda no cenário político, eclesial “de fato e com voz”, existimos como “uma realidade, perpassada por todos estes elementos supracitados (escravização e exclusões, com o elencado problema da “subordinação”). Enquanto não assumimos esta história de dor, mas também como nossas raízes étnicas, culturais, identitárias – o que o autor acima vai dizer é que existe um certo “ocultamento” no DA - não podemos dizer que “somos” e já de início excluímos “um povo” entre outros da mesma nação, dividida então, porque não assumimos já na linguagem esta história deles como sendo nossa. Desta postura, é claro, surgem outras que depois diremos ser fruto da primeira: não fazemos questão de falar, de escrever, de mostrar midiáticamente algo “feio” da nossa história, ou melhor, história “deles”, os afro-americanos (entendendo diferentemente da história do branco, ou hispano, ou indo latino-americano), com uma história “atravessada”, aí sim o sentido desta palavra, talvez, atravessada nas outras, pelas outras, mas que ‘não se mistura com’ elas, ou como dirá o documento – pelo menos para quem o redigiu e assinou –, com a nossa História. E qual seria essa? Pastoralmente acredito ser este um equívoco, ou a perduração de um sistema que tem se mantido alheio deste mesmo sistema, os fatos que levaram o Brasil, ou a América Latina, querer esconder o passado “ocultando”, rasgando e queimando os documentos acerca deste período da “nossa” história.

Algumas pistas podemos ir colhendo das análises que foram feitas, porém em forma de perguntas: - A Igreja realmente assume a participação dos afro-americanos na vida eclesial? (cf. n. 94), ou melhor, ela tem promovido isso através de mais vocações, ministérios ordenados, procedendo da cultura afro-americana e na inculturação das liturgias? (cf. n. 99b)

Tomando estas questões levantas, citamos somente um fato, que faz pensar, comentado pelo Padre Toninho num encontro de Religiosos/as afrodescendentes e descendentes Indígenas . O fato foi que na década de 60 os superiores das Ordens e Institutos de Vida Religiosa (V.R.) se reuniram no Rio de Janeiro para refletir a questão da procura dos negros e negras pela Vida Religiosa e Consagrada, na Igreja Católica. O fato foi relatado do seguinte modo:

“No Rio de Janeiro, dia 19 de Julho de 1960, uma Assembléia discutia a possibilidade de receber pessoas negras na V.R. A Assembléia de então funcionava assim: as Mulheres Religiosas reuniram-se no Colégio Santa Teresa e os Padres/Irmãos na Casa dos Jesuítas, no Rio de Janeiro [...] A questão subjacente era: Os institutos deveraim ou não receber “gente de cor” na V.R.? A temática interessava a todas/os, então “uniram-se” para refletirem juntos (mulheres e homens), algo não comum para a época. [...] O primeiro convidado a falar foi o então Arcebispo de Goiânia, Dom Fernando Gomes dos Santos (natural de Patos-PB), que resumindo disse o seguinte: - Sobre este assunto eu não sei bem ao certo... esse povo é meio nervoso... não sei o que eles têm no sangue que os faz ser assim... é preciso ter bastante cuidado. Feito sua análise, foi embora. Um Teólogo português, próximo convidado, que sobre o assunto propôs uma “iluminação teológica” sobre este fato, mas como a teologia estava a serviço do Magistério da Igreja, resolveu não contradizer a fala do bispo e então resolveu fazer uma Reflexão Bíblica, quase lógica, em seu entender: - A bíblia fala das 12 tribos do povo de Deus no A.T.; de todas essas tribos, porém, entendemos que uma só era a encarregada do altar - no caso, hoje, a branca... – logo, uma “constatação excelente”: Negros não servem para a V.R., que então visava o Presbiterato, no caso dos homens. A terceira pessoa convidada foi um médico que deu um pequeno exemplo: - se tiver uma pessoa branca passando mal e precisar de sangue, eu extraindo o sangue de uma pessoa negra e repassando a branca, certamente essa pessoa irá sobreviver; por isso “não há diferença entre brancos e negros do ponto de vista médico”. [...] Terminado os três relatos, antes de irem a voto, um dos participantes da Assembléia lembrou que existia uma lei recém aprovada, conhecida como “Lei Afonso Arinos ”, tratando do assunto em que se discutia a questão da discriminação racial como crime, com pena de prisão... logo, deste modo, preocupados com a repercussão da ‘exclusão dos/as negros/as da V.R, propuseram e conseguiram cocluir o seguinte na Assembléia: ‘Pode ser aprovado/a um/a candidato/a negro/a na V.R., depois de “minucioso exame’”.

- O documento de Aparecida fala de reconhecimento , mas como reconhecer se não tivermos interesse antes por “conhecer”? O diálogo com as culturas, as religiões de matrizes africanas com suas experiências raiz... muitos têm medo de iniciar este diálogo, outros parecem preferir não querer “submeter-se” a algo assim... além disso, recorda Paulo Suees, através do DA, que verdadeiro conhecimento envolve “conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora da Igreja” (cf. n. 532). Esse, sem dúvida, seria um compromisso para quem se preocupa na missão da Igreja desde nosso contexto, em oposição à uma visão universalizante de uma missão continental.

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Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

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