domingo, 23 de fevereiro de 2014

O RACISMO E O HUMOR


Percebo como que tem sido árdua e incansável a luta de muitos companheiros na arte de combater o racismo e nas tentativas de cada dia mais conscientizar... é uma missão e tanta, principalmente pra gente como nós que não temos “financiamento...” perdoem-me o jeito de dizer, com humor sobre esse drama que, aliás, poderíamos nos inspirar mais nos exemplos que temos de fora do que daqui ao nosso redor (refiro-me aos que incomodaram o sistema e fizeram tremer algumas bases do poder). Enquanto nosso povo assiste "Zorra Total", ou essa mídia manipuladora das consciências, deixando o povo cada vez mais cego sobre a realidade... Só um exemplo, notemos como os negros americanos lidaram e lidam com o processo de exploração (escravização), satirizando os brancos e conscientizando (ainda que com humor), a população negra que tem mais condições de brigar e competir do que nós por aqui. Observem o bom humorista Chris Rock, que utiliza seu púlpito (ou palco) para tratar questões difíceis e complexas, como o racismo e outras formas de preconceitos e discriminação, para fazer humor-crítico que denuncia e expõe a sociedade norte-americana (tão hipócrita quando à brasileira, ou latino-americana).
Trago, a seguir, esta forma de exposição e, consequente reflexão, que permite à população refletir e se mobilizar para promover mudanças na forma de conceber a luta pelos direitos humanos. Já aqui no Brasil... temos um bocado de jornalistas e humoristas de mídia que utilizam estas mazelas somente para vilipendiar e desrespeitar ainda mais aqueles que historicamente já sofrem com os efeitos do preconceito e da discriminação.
Argumentos jornalísticos (tipo "da redação", ou de âncoras de telejornais), ou humoristas oficiais, em horário nobre nas TV's, com seus discursos de conotações preconceituosas e dissociadas de um contexto crítico não podem ser deixados continuar... nossa população deve lutar, continuar se mobilizando unida, coisas do tipo de humor-negro (ou qualquer outro preconceituoso), não têm a ver com liberdade de expressão e não são engraçadas, mas antes são desnecessárias e criminosas – acrescenta os comentários de nossos companheiros negros Vinícius e Leandro Dias.

Observemos neste vídeo o humorista Chris Rock:

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O Silêncio do Racismo


por
Reinaldo João de Oliveira
(Assessor de Políticas Públicas)

Bem refletiu o antropólogo Kabengele Munanga, em entrevista concedida para a Revista Fórum (edição 77), que o “nosso racismo é um crime perfeito”. Isso porque destina a culpa para a vítima... e sempre se vê impunidade nesses casos denunciados, praticamente. E não é somente o antropólogo que constata isso, como podemos analisar mediante a realidade, principalmente na ausência de políticas públicas nesse campo.
Kabengele Munanga

Outro dado importante é o silêncio em torno da discriminação, que é também um efeito próprio do “racismo à brasileira[1]” onde se constata o racismo, mas não quem é racista (ou que se declare...). Por isso, junto com essa forma de conscientizar, repetimos o que temos já refletido, em outros momentos e debates que há muita escassez de políticas públicas no enfrentamento das desigualdades raciais. E, além de constatarmos a dificuldade, sabemos o porquê disso: dá-se por causa do racismo institucional, que faz com que mesmo os gestores que sabem quem mais morre e quem mais sofre (no campo da violência, da saúde, da moradia, do trabalho-renda) não vejam a questão como prioridade. Há, portanto, uma dificuldade de reconhecer que a estrutura racista faz com que os negros tenham mais dificuldade de acesso a direitos humanos. Aí a pobreza aparece como tema, mas não a raça”. E isso tudo está dissimulado!
É fato que quando tratamos sobre a Consciência Negra desperta questionamentos difusos e, mais do que isso, silêncios obscuros que na “surdina” reagem de modo à perpetuar a discriminação sentida por quem sofre desse mal. Urge organizamos coletivos de forças, ainda que sejam de posturas políticas e ideológicas diferentes, para somarmos em pautas comuns, tais como: a luta pelo ingresso das pessoas negras nas universidades públicas, programas governamentais e universidades particulares com bolsas de estudo, como um direito constitucional; articulações amplas de comunidades tradicionais: quilombolas (nos meios rurais) e, mais comum, nas periferias ou nos centros de cultura onde há promoção de igualdade racial, étnica e de gênero.
Imagem da rede - internet (sabedoria ancestral)

Surgem, também, em várias regiões do Brasil, associações para conscientizar e fazer trabalhos preventivos na área da saúde, para conscientizar sobre o tratamento das doenças próprias da comunidade negra, como a anemia falciforme - doença que causa muitas mortes, especialmente por desconhecimento dos médicos e dos próprios doentes.

Apesar disso tudo, denúncias já foram dirigidas à órgãos governamentais sobre a questão da Saúde e do Trabalho, bem fundamentadas às diferentes instâncias de poder – como no caso da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e Anistia Internacional - com exigências por oportunidades de trabalho/renda, valor digno do salário e com plano de políticas públicas para combater a discriminação contra a população negra no campo e na cidade, bem como o trabalho escravo e para os casos de ameaças de morte e crimes cometidos contra lideranças.

Lançado recentemente um relatório da ONU, aproveitando dados anteriormente divulgados, sobre direitos humanos no mundo e na América Latina, onde o Brasil e outros países da América foram apontados como possuidores de políticas militares discriminatórias que violentam e perseguem os afrodescendentes: que exploram e matam crianças de rua cuja maioria são negras, e que 5% da força nacional de trabalho são de crianças entre dez e quatorze anos de idade.
Imagem da rede - internet

Em outra recente pesquisa realizada pelo Programa de Redução da Violência Letal (PRVL), do Observatório de Favelas, após mapear 160 programas governamentais de prevenção à violência, desenvolvidos em 11 regiões metropolitanas do país identificou que apenas 19 iniciativas tinham como objetivo específico à redução de homicídios. Destes 160 programas, somente 8% tinham ações voltadas para os negros, que são as principais vítimas de homicídios já há tempos comprovadamente.

Com tantos dados muitas vezes desconsiderados e pouco retomados, em evidência apenas em algumas matérias jornalísticas, quase podemos afirmar que as políticas públicas são um espelho da naturalização do racismo. Onde estão os projetos que poderiam incidir numa verdadeira revolução nas consciências cidadãs?

Em nível nacional, algumas ideias tentam minorar, tal como a campanha “Juventude Marcada para Viver” que busca chamar atenção da sociedade, bem como do Poder Público, visando impactar positivamente as consciências. Seria uma legítima intenção de atingir não somente aqueles que são vítimas diretas do problema. Logo, a ideia de atingir aos que banalizam as mortes ou acham que podem justificar dizendo que ‘se morreu foi porque estava fazendo alguma coisa errada”, seria um foco de debates e de maior ação e intervenção.
Cartaz da Campanha

No sentido da segurança pública e da violência, não há como reduzir a letalidade sem reconhecer o racismo e assumir como prioridade na agenda pública ações num processo de interlocução com gestores. Particularmente no que tange municípios que apresentam altos índices de abordagens com prisões e homicídios de jovens negros, visando contribuir na formulação de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial e a valorização da vida.
imagem em reflexão de Mia Couto, "Terra Sonâmbula"

É possível mudarmos a realidade urgente de discriminação com estratégias voltadas, desde as redes sociais e com uma série de ações em pontos de Promoção da Vida em diversas regiões, em nossas cidades. Conscientizar com metas em favor do compromisso público de governo (municipal e estadual) e com protocolo normativo de ações pontuais, que minimizam a discriminação.



[1] SILVA, Martiniano J. Racismo à Brasileira: Raízes Históricas. 3ª edição. Anita, São Paulo, 1995.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

CONSCIÊNCIA DO "NÓS"


por Reinaldo João de Oliveira

Reflexão feita através das socializações e diálogos sobre o assunto em questão, em gratidão aos companheiros e colegas nesta articulação AfroAmeríndia.
 Intercalo entre o texto, imagens também socializadas por fotógrafos/artistas que compõe a causa e que intentam resgatar os valores que a ideologia quis também tirar do povo negro, em relação à sua identidade e sua estética... além de ressaltar, na reflexão, um dos intelectuais que mais revoluciona a questão da “Consciência Negra”, no meu entender = Guerreiro Ramos.

Voltando à reflexão, pergunto: o que dizer sobre uma cena em que uma pessoa resiste e prefere a morte do que uma rendição? Muitos pensariam num fugitivo de algum crime, mas dificilmente ligaria o fato à alguém que resistiu e enfrentou a escravidão nestas terras tropicais. E mais: que de acordo com a sua consciência, de pertencimento a um povo que foi trazido, como bichos, nos navios negreiros ingleses, para sustentar a economia deste país que viria a ser um império lusófono.

Pois foi com os braços de homens e mulheres negros que os lordes garantiram a revolução industrial e a consolidação do sistema capitalista. Só o braço escravo, já bem contou Eric Williams, daria conta da colonização baseada na monocultura extensiva. Mas essa gente valente, que foi sequestrada de suas terras, nunca se rendeu. A liberdade era seu horizonte e, em determinados contextos, tão logo escapavam das correntes e sistemas que lhes aprisionavam, criavam quilombos, comunidades livres, solidárias, auto-gestionadas. A maior delas: Palmares. E é em honra a esse povo, com Zumbi à frente, que no dia 20 de novembro, se celebra o Dia da Consciência Negra.

A data não é uma lembrança ritual de um tempo que já passou. Ela é a ferida aberta de uma sociedade que segue vivenciando os pressupostos do tempo da escravidão, mergulhada no racismo e na discriminação. Basta ver o que acontece sempre, com as manifestações raivosas contra nordestinos e população de periferia em comunidades empobrecidas (majoritariamente de pessoas com pele negra). Por isso que é preciso lembrar, e lembrar, e lembrar o que resultou de todo o processo escravista nestas terras brasilis.
Desde quando os portugueses decidiram apostar na mão-de-obra escrava aqui, nas novas terras, foi necessário consolidar uma ideologia que respaldasse o absurdo. Era mais do que óbvio que a elite colonial não haveria de espalhar aos quatro cantos que esta era uma medida “econômica” necessária para garantir seus lucros. Recebeu até o apoio da igreja, com seus missionários de plantão, como instrumento ideológico desde a origem deste processo: sem precisar citar tanto as pregações do “santo de pau oco”, que foi um dos grandes legitimadores da escravidão antes, o padre Antonio Vieira, que em seus Sermões catequizava a “legimitidade da escravidão” para a salvação das almas perdidas em África. Portanto, nada melhor que se liberto, salvo ao reino dos céus, sendo escravo cá no Brasil, pagando o preço dos pecados que nem eram dos africanos... verdadeiro “Pecado Original” esse cometido pela Santa Madre Igreja, nunca reparado para com a população negra. Valendo dizer que praticamente todas as congregações religiosas, que vinham aqui se estabelecer, utilizaram-se muito da mão de obra escrava até o final quando não podia mais, e até recentemente, na década de 1960, era proibido o acesso de negros aos cargos eclesiásticos de mais status... hoje a realidade ainda não é tão diferente assim.

Nesse contexto dos séculos XVII e XVIII, tendo todos os elementos a favor, o melhor, para as elites que dominavam a ideologia da criação de uma República, foi criar a idéia de que os negros eram de uma raça inferior, tal qual os índios, gente de segunda classe aos quais não faria diferença serem escravizados. Ou melhor, era natural que o fossem. E então foi só repetir, e repetir, e repetir. A coisa pegou. E tanto que, passados mais de 300 anos de escravidão, até mesmo os escravos – pessoas das gerações que se seguiram e que nunca haviam conhecido a liberdade – acreditaram nisso.

Depois, com o fim do regime escravista, uma vez que já estava garantida acumulação do capital das famílias coloniais, a ideologia seguiu fazendo seus estragos. Os negros libertos ficaram ao léu. Não havia política para inclusão de toda uma multidão de gente que, de repente, se via livre. Muitos, já velhos, não tinham como vender a sua força de trabalho e perambulavam pelas ruas, a mendigar. Ao que o sistema acrescentou novos adjetivos: preguiçosos, vagabundos, marginais. Nas grandes cidades eles foram se encravando nos morros, buscando um canto para morar, já que o Estado lhes abandonava.

E então, como não havia como eliminar a presença do negro na vida nacional, uma vez que aqui eram milhões, a elite decidiu que era preciso “embranquecer” o país, já que, conforme sustentavam os ideólogos de plantão, a raça negra haveria de constituir sempre um dos fatores da inferioridade do país. Ou seja, depois de terem usado do braço negro para forjar suas riquezas, a elite os considera causa da desgraça nacional. Cínismo pouco é bobagem.

Desde então, sociólogos, antropólogos e cientistas sociais se debruçam sobre aquilo que chamaram e ainda chamam de “problema do negro”, buscando refletir os elementos do racismo e do preconceito. Diante desta diferenciada forma de capitulação ideológica, o sociólogo Guerreiro Ramos vai apontar sua metralhadora verbal. “Por que o negro é um problema? O que o faz ser um problema? Uma condição humana só é elevada a condição de problema quando não se coaduna com um ideal, um valor, uma norma. Se se rotula ‘problema’ ao negro é porque ele é anormal. O que torna problemática a situação do negro é que ele tem a pele escura. Essa parece ser a anormalidade a sanar”. G. Ramos lembra que foi a superioridade européia no processo de colonização que criou estas manifestações - as quais chama de “patológicas” – de que o padrão estético dito normal e bonito só pode ser o branco. “É uma tremenda alienação que não leva em conta a realidade local e a verdade histórica: nosso país é um país de negros”.

Guerreiro Ramos argumenta que enquanto os estudiosos brasileiros não se libertarem da visão eurocêntrica da qual são cativos, muito pouco se poderá dizer sobre o racismo e a discriminação do negro no país. Os autores mais incensados, como Gilberto Freyre e Nina Rodrigues, por exemplo, viam o negro como o exótico, o problemático, o não-Brasil. Euclides da Cunha acreditava que a fusão das raças era prejudicial e que o mestiço era um decaído, embora pudesse transcender e ser salvo pela civilização. Era uma espécie de tese de “embranquecimento” pela inclusão na vida nacional. Oliveira Vianna chegou a dizer que a inferioridade seria passageira porque a tendência seria, pela mestiçagem, embranquecer.

Na tese defendida por Guerreiro Ramos a saída é a afirmação cotidiana da condição de negro, “niger sum”, pelo seu significado dialético numa sociedade em que todos parecem querer ser brancos por força da ideologia. “Sou negro, identifico como meu o corpo em que está o meu eu e considero minha condição ética [acrescento: e estética] como um dos suportes do meu orgulho pessoal”. Ele também defendeu, durante toda a vida, de que era necessário tirar do próprio negro a ideia de que havia um “problema do negro”. “O negro no Brasil é povo, o negro não é um componente estranho da nossa demografia”.

Hoje, o movimento negro, que é pouco atuante no Brasil, tem trabalhado essas teses, de afirmação cotidiana, mas não é fácil desfazer séculos de ideologia. Além do que é também possível encontrar entre algumas ONGs a ideia de que para o negro valem as políticas pobres como aquelas que, com dinheiro de fundações estrangeiras - como Ford, a Kellogs e outras que são inclusive responsáveis pela condição econômica de periferia de nossa gente - promovem cursos de cabeleireiras para mulheres negras e de garçons para homens negros, como se a eles só pudessem ser garantidas estas profissões. Outras instituições e pessoas, que atuam na área da Educação sofrem com o mal do personalismo com a vaidade de lideranças - procuram a todo custo estar ao lado do poder, se aliando à poderes institucionalizados que interessam à este ou aquele processo de favorecimento à sua capitalização. E, ainda, há menosprezo pela realidade que bate a porta, pelas ausências de uma gestão ética e transparente na administração, além da falta do empoderamento feminino, como forma de respeito e sensibilidade no trato com as mulheres negras, que são as maiores vítimas no processo de exclusão e opressão.
 

As cotas nas universidades avançaram em muito a dialetização da questão racial no Brasil, tanto que o racismo vivo e fulgurante se manifestou de várias maneiras, inclusive com estudantes brancos entrando na Justiça contra elas, como se as cotas já não fossem uma realidade nas universidades. Só que as cotas que existiam até então eram para os estudantes com cursinho particular, os nascidos em berços esplendidos, e estes não admitiam “repartir” a vida universitária com estes que muitos ainda consideram “inferiores”, justificando a cristalização da ideologia implantada nos tempos coloniais.
Estudantes de escolas particulares de Brasília protestando contra a destinação de vagas nas universidades federais para alunos de escolas públicas ( Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / ABr, em 22/08/2012, FonteG1 DF)

Também o sistema capitalista é pródigo em cooptar as ideias e bandeiras do negro, transformando em produto a ideia de afirmação racial, como se pode notar nas revistas especializadas que acabam dando destaque ao negro, mas sempre dentro dos padrões capitalistas, de consumo e de estética.

Por isso a lembrança de Zumbi é tão desconfortável, e não foi sem razão que, em muitos municípios do Brasil, tenha sido recusada pelas Câmaras de Vereadores as propostas de um feriado no Dia da Consciência Negra. Porque quando se fala de Zumbi dos Palmares, se fala de outro modo de organizar a vida, auto-gestionada, cooperativa, solidária, comunitária, outros padrões de beleza e de relação com as coisas. Quando se fala em Zumbi se fala de luta aguerrida, armada, rebelde. Porque na sua história de líder de Palmares, Zumbi recusou a rendição, a composição de classe, a capitulação. Ele foi até o fim na proposição niger sum (sou negro), e para as elites brancas e racistas isso pode se configurar num “mau exemplo”. Melhor encobrir ou ainda, tornar um produto. 

De qualquer forma aí está o Dia da Consciência Negra nos interpelando, fazendo pensar que ainda há muito caminho a percorrer na destruição da ideologia racista inoculada desde os tempos coloniais.

Que viva Zumbi e que viva a idéia poderosa da afirmação de Guerreiro Ramos: Sou negro, sou povo brasileiro!

  
Para aprofundamentos, segue uma imagem/foto e referências bibliográficas de Guerreiro Ramos:
Foto de Guerreiro Ramos em primeiro plano: Conferência em Salvador/BA, 08 de Agosto de 1952 = extraída da tese de Ariston Azevedo (2006).

RAMOS, Alberto Guerreiro. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Administração e Contexto Brasileiro - Esboço de uma Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1983.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Sociologia e a Teoria das Organizações - Um Estudo Supra Partidário. Santos: Editora Leopoldianum, 1983.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Administração e Estratégia do Desenvolvimento - Elementos de uma Sociologia Especial da Administração. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1966.
RAMOS, Alberto Guerreiro. A Redução Sociológica - Introdução ao Estudo da Razão Sociológica. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro Ltda, 1965.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução Crítica à Sociologia Brasileira. Rio de Janeiro: Editorial Andes Ltda, 1957.

Agradecimentos a todos/as que contribuem direta e indiretamente para nossas articulações!


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO EM RETROPROSPECTIVA



Socializo reflexões em uma foto significativa e uma resenha sobre o Congresso Continental de Teologia.

Grande abraço, no Egbé e no Asè!
Reinaldo João de Oliveira

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TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO EM RETROPROSPECTIVA:
anotações em torno do recente Congresso Continental de Teologia

por Alder Júlio Ferreira Calado


O Congresso Continental de Teologia foi encerrado quinta-feira, dia 11/10/2012, em São Leopoldo – RS. Após toda uma densa sementeira de reflexões e relatos de experiências de uma teologia testemunhal, assim se se fez nesses cinco dias de sua realização, num ambiente de confraternização entre centenas de pessoas (em torno de 750 participantes!), vindas de diferentes regiões da América Latina e do Caribe, outras da América do Norte e distintos países de outros continentes. Gente envolvendo-se em vários espaços - conferências, painéis, oficinas, comunicações científicas, celebrações, numa bem articulada tessitura de exercícios de memória e de ousadia prospectiva, que se quer alimentadas pelo esforço da práxis do cotidiano à luz da fé que brota da força do Espírito.

Nesse sentido, as próprias celebrações, aí vividas como fonte de inspiração – inclusive a celebração de encerramento! – ajudam a confirmar tal percepção, até (como é o caso) para quem só pôde acompanhar “de longe” esse acontecimento de reconhecida referência, na caminhada da Teologia da Libertação e das comunidades cristãs de base.

Não tendo dele participado fisicamente, empenhei-me vivamente em acompanhá-lo como pude: pela internet, assistindo a um número considerável de conferências e intervenções (de Agenor Brighenti, de Geraldina Céspedes, de Jon Sobrino, de Pedro Ribeiro de Oliveira, de Jung Mo Sung, de Victor Codina, de João Batista Libânio, de Maria Clara Bingemer, de Francisco Witaker, de Socorro Martinez e de José Sanchez y Sanchez, de Leonardo Boff, de Frei Betto, de Gustavo Gutiérrez, de Andrés Torres Quiruga, de Peter Phen, de Luiz Carlos Susin, de Eleazar López Hernández (texto), de Sebastião Armando, de Marilú Rojas e Carlos Mendoza Álvarez, da jovem teóloga salvadorenha Mercedes Amador (cf. áudio: http://www.ivoox.com/mercedesamador-audios-mp3_rf_1488788_1.html), além do belo relato feito pela teóloga Socorro Martinez e pelo teólogo José Sanchez y Sanchez, das Jornadas Teológicas preparatórias do Congresso, assim como das saudações iniciais (Dom Demétrio Valentini, das palavras de boas-vindas dadas aos presentes, inclusive diversos bispos (católicos, anglicanos) que lá estiveram, inclusive o nosso querido Dom José Maria Pires (testemunha emblemática dessa caminhada, antes, durante e depois do Concílio Vaticano II, e de figuras históricas como o Pe. José Marins, presente; Sérgio Torres, lembrado também na fala de seu amigo fraterno Gustavo Gutiérrez), de algumas celebrações, da síntese lida em grupo, ao final do Congresso. Estou consciente de quantas coisas me escaparam: as oficinas, as comunicações, as conversas calorosas nos corredores daquele ambiente...

Trato, aqui, de destacar alguns pontos que mais me impactaram, bem como alguns desafios, sem deixar de levantar, de passagem, um ou outro questionamento, fazendo-o com o propósito de seguir dialogando para além desse marcante acontecimento, afinal esse Congresso não se quer um “evento”, mas antes um momento de um processo, como lembrava, a justo título, a teóloga Geraldina Céspedes.

Num congresso com características tão complexas e vastas – geográficas (com traços de distintas regiões da América Latina e do Caribe, além de representações da América do Norte, da Europa, da Ásia...); culturais, de gênero, de etnia, geracionais, de intensa diversidade temática, trabalhada por diferentes teólogos e teólogas palestrantes (quase todos católicos...), participantes de painéis, oficinas, com participantes dos mais distintos segmentos da Igreja Católica e de outras Igrejas Cristãs, etc. -, resulta difícil – mesmo a quem “de dentro” tenha participado - pretender-se uma síntese que dê conta satisfatoriamente da imensa diversidade de fios aí tecidos. Não tendo participado fisicamente dessa experiência, o que mal está ao meu alcance propor, é um breve registro de alguns pontos que mais me impactaram, a partir dos quais destacar alguns questionamentos ou provocações fraternas.

1. Das intervenções de abertura

Num contexto intra-eclesial de notórias adversidades enfrentadas pela “Igreja na Base” – convindo assinalar que, a certa altura, graças a pressões em contrário, até dúvida se teve da realização do Congresso (lembrar carta-alerta do Pe. José Marins) -, resulta confortadora a presença, não apenas de Dom Demétrio Valentini, como de diversos bispos, cuja presença seria assinalada, não só por Dom Demétrio, como em outras falas, inclusive na de Leonardo Boff. Daí a importância das palavras iniciais de saudação de Dom Demétrio, expressando solidariedade ao Congresso e fazendo memória do Concílio Vaticano II, a começar pela sua figura mais lembrada, o Papa João XXIII.

Há de se destacar, ainda por ocasião da abertura, a palavra encorajadora do Reitor da UNISINOS, anfitriã do Congresso. Foi muito feliz ao definir aquele Congresso como uma “experiência de discernimento eclesial”, a suscitar, à luz do profetismo, o exercício da hermenêutica tanto do Concílio Vaticano II quanto das narrativas de inúmeras experiências eclesiais protagonizadas por distintos sujeitos, dentre os quais as mulheres.

Coube ao teólogo Agenor Brighenti explicitar as grandes linhas e os objetivos do Congreso Continental de Teología. Num breve exercício retrospectivo dessa caminhada eclesial desde o Concílio Vaticano II, passando pela sua recepção na América Latina, chamou a atenção para o legado dos nossos padres da América Latina (Manuel Larraín, Leonidas Proaño, Helder Câmara, Sergio Arceo, Samuel Ruiz, dentre outros), bem como o de nossos teólogos da Libertação tanto os da primeira geração (G. Gutiérrez, H. Assmann, Juan Luiz Segundo, J. Comblin, Carlos Mesters, Leonardo Boff, Ronaldo Muñoz, Milton Schwantes, entre outros) quanto os das gerações seguintes. Ressaltou a expectativa de, a partir do exercício da memória profética e martirial, na América Latina e Caribe, também a de um esforço prospectivo em face dos desafios cruciais hoje entrentados. A propósito de José Comblin, especificamente, lhe foi dedicado um momento de homenagem especial, por parte de Pablo Richard, Eduardo Hoornaert e Luiz Carlos Susin.

2Retalhos das conferências e intervenções acompanhadas: três destaques

2.1. Idéias-força recolhidas das conferêncais e intervenções - Do dia 7 ao dia 11, foram pronunciadas dezenas de exposições, entre conferências, painéis, oficinas, comunicações. Não me sendo possível fazer um passeio, ainda que rápido, sobre tantas exposições, trato de, primeiro, sublinhar algumas idéias-força que recolho em distintas intervenções; em seguida, elejo três casos que considero mais ilustrativos das inquietações mais fortes que me têm alimentado – estou certo, de tantas e tantos mais.

A recepção criativa do Concílio Vaticano II, na América Latina -
Eis, com efeito, uma idéia-força bem presente em várias conferências  e painéis (Sobrino, Codina, Gutiérrez, para mencionar apenas esses nomes). Não se tratou de uma implantação ou de uma implementação do legado do Vaticano II na América Latina. Cuidou-se, antes - isto sim – de se receber a herança do Concílio com notável inventividade. Nesse ponto (também aqui), a reconhecida fecundidade do método Ver-Julgar-Agir cumpriu um papel decisivo. Urgia partir do contexto concreto dos povos da América Latina e do Caribe, de suas respectivas culturas, de seus desafios, de seus dramas, de suas esperanças, de suas alegrias. Aí ressoava criativamente o apelo de João XXIII e do Concílio ao “aggiornamento”.

De modo semelhante, deu-se em outros aspectos, como, por exemplo, na renovação litúrgica, no apelo de refontização, de volta às fontes. Aqui foi enfatizado por vários conferencistas, a justo título, a relevante contribuição de Carlos Mesters junto às CEBs, nos abençoados Círculos Bíblicos, para o que foi decisiva a reapropriação pelo Povo de Deus, no caso pelo povo dos pobres latino-americanos, da Palavra de Deus, que, durante séculos, havia sido indevidamente privatizada pela hierarquia. Em sua intervenção, Frei Betto falou de uma “eclesiofagia” que se teria operado, na América Latina e no Caribe, do legado do Concílio Vaticano II... Inclusive no modo como os pobres passaram a vivenciar uma intimidade mais forte com a Sagrada Escritura, dela exercitando uma releitura, a partir dos desafios do seu contexto.

A centralidade nos pobres da mensagem evangélica – Eis um ponto sublinhado em quase todas as falas relativas às características fundamentais da Teologia da Libertação (de Gutiérrez a Geraldina Céspedes, passando por Sobrino, Codina, Boff, Jung Mo Sung, Queiruga, Libânio e outros e outras). Sobretudo a partir da Conferência de Medellín (1968), o Povo de Deus na América Latina e no Caribe, animado pelos seus pastores e profetas, passa a protagonizar uma história nova, inspirada no que estava anunciado, inclusive, no n. 8 da Lumen Gentium, do que resultou uma mudança considerável, inspirada no que passou a chamar-se “opção pelos pobres”. Também aqui restará forte a contribuição da Teologia da Libertação, desde a formulação de teólogos da primeira geração (José Comblin, Rubem Alves, Gustavo Gutiérrez, Hugo Assmann, Juan Luis Segundo, Ronaldo Muñoz...). Caberia à geração sucessora, a partir das balizas oferecidas pela geração precedente, potencializar a contribuição de caráter mais diretamente metodológico, à luz do método Ver-Julgar-Agir, do que resultarão melhor trabalhadas as chamadas mediações, não sem uma forte incursão por categorias mais próximas do Marxismo ou em franco diálogo com as ciências sociais, sempre partindo da situação social, econômica, política e cultural da América Latina e do Caribe (mediação sócio-analítica, nos termos da formulação de Clodovis Boff), à luz da Palavra de Deus cujo Espírito continua a soprar na história e nos sinais dos tempos (mediação hermenêutica), e inspirando e suscitando novas práticas, seja no âmbito social, seja no âmbito pastoral (mediação práxica). Graças a esse exercício articulado dessas mediações, vai-se observar, na América Latina, uma crescente efervescência dos movimentos e das pastorais sociais, ancorados no que se passou a chamar de “Igreja na Base” ou, na expressão de João XXIII, “Igreja dos Pobres”, de modo a protagonizar processos significativos de organização, de mobilização e de formação de distintos sujeitos coletivos, a exercerem uma crescente influência em sociedades latino-americanas, nomeadamente no Brasil e na América Central.

O extraordinário impacto do novo modo de se ler a Bíblia -  Não se dá por acaso a frequente remissão dos distintos grupos de participantes do Congresso (dos conferencistas aos painelistas, passando pelas celebrações) à força da Palavra de Deus, ao lugar privilegiado da Bíblia, não apenas para teólogos e teólogas. Tampouco se deu por acaso a frequência com que era citada uma figura emblemática, na animação desse processo: Carlos Mesters, trabalho especialmente potencializado pelo amplo apoio de órgãos como a CLAR (Conferência Latino-Americana dos Religiosos e Religiosas), o DEI (Departamento Ecuménico de Investigaciones, de San José da Costa Rica, do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), de Servicios Koinonía, para mencionar apenas esses.
            É, com efeito, bastante amplo e reiterado o reconhecimento da força transformadora da Sagrada Escritura, trabalhada sob a ótica dos pobres: das CEBs, das religiosas inseridas no meio popular, das pastorais e movimentos e serviços eclesiais (CIMI, CPT, CPO, PJMP, Comissão de Justiça e Paz, CDDHs, MER, ACR, entre outros). A esse respeito, colecionam-se belas histórias, inclusive, no combate à Ditadura Militar, por parte dessas comunidades, tantas vezes interrogadas pela polícia da Ditadura para apontar “quem era o cabeça desse movimento”, obtendo como resposta: “O Evangelho!” ou algo similar, como, ainda há pouco, num Seminário Teológico, em João Pessoa, recordava Dom José Maria Pires.

Não se trata apenas de uma teologia da libertação, mas de uma Igreja da Libertação - Eis um outro enfoque recorrente em distintas falas.  Como amplamente lembrado por tantos teólogos e teólogas da Libertação, a produção teológica é “ato segundo”, o mais importante é priorizar o processo de libertação (dos pobres, com os pobres, pelos pobres) – ato primeiro. Para isto deve servir a produção teológica. E isto não se dá sem consequências. Uma delas é a necessária implicação de quem faz esse tipo de teologia, em assumir as lutas dos pobres pela sua libertação. Aí subjaz o compromisso de sua prática política, não apenas de uma compreensão intelectual. Mas, aqui há de se reconhecer que os avanços foram bem aquém, à exceção de algumas experiências mais densas como, por exemplo, a que se vivenciou em Crateús – CE, com a animação de Dom Fragoso e toda uma equipe de agentes pastorais (leigas, leigos, religiosas, religiososo e ministros ordenados).

- A diversificação temática da Teologia da Libertação – Os pobres seguem sendo os grandes protagonistas da TdL. Sucede que os perfis dos pobres têm passado por uma crescente diversificação, para bem além do espectro estritamente econômico. Até mesmo esta dimensão se acha densamente implicada nas demais esferas da realidade (política, cultural, ecológica, religiosa, ideológica...). A exemplo do que já havia feito o Documento de Puebla (nn. 31-39), onde se estão bem descritos os diversos rostos dos pobres latino-americanos e caribenhos, naquele contexto histórico, aTdL também passou a reconhecer novas expressões de pobres: as mulheres, os povos indígenas, as comunidades quilombolas, os migrantes, os povos de rua, o movimento em defesa da dignidade da Terra como sujeito de direitos, a necessidade de se lutar pelos pobres como expressão de transculturalidade religiosa, as relações homoafetivas, entre outros desafios. Um exemplo ilustrativo, nesse terreno, tem sido a vasta produção do teólogo Leonardo Boff, entre outros, no campo da Ecoteologia, tal como a teólogo Ivone Gebara tem pontificado na área da Teologia Ecofeminista.

2.2. Três recortes ilustrativos das falas do Congreso Continental de Teología -

Reconhecendo, desde logo, o grau de arbitrariedade da escolha desses recortes, cuido de destacar três figuras que reputo representativas de três dentre os que estimo grandes aportes do Congresso: um primeiro caso, que situo na continuidade mais fiel do legado da primeira geração de teólogos da Libertação: Victor Codina; uma outra figura representativa da mais nova geração da Teologia da Libertação: a teóloga Geraldina Céspedes; e uma terceira figura a acenar mais diretamente para o plano do ecumenismo: o teólogo Sebastião Armando, da Igreja Anglicana. Isto, para dizer o mínimo, pois outras figuras deveriam ser igualmente contempladas, como por exemplo a fala (tive acesso apenas em áudio, que escutei três vezes) da jovem teóloga salvadorenha Mercedes Amador e o texto do teólogo mexicano Eleazar López Hernández, refletindo sobre o denso aporte da teologia índia.

Geraldina Céspedes Ainda na primeira noite, após a abertura do Congresso, foi anunciada a conferência da teóloga Geraldina Céspedes, religiosa dominicana, nascida na República Dominica e atualmente missionando na Guatemala. Uma jovem teóloga da terceira geração da TdL. Eis os pontos de sua fala que mais me tocaram:
- grato reconhecimento do legado dos teólogos da primeira geração, fazendo-o com humildade, gratidão, alegria e, ao mesmo tempo, com liberdade e autonomia, dizendo-se disposta também a ensaiar uma “mirada para el futuro”;
- ensaia seu olhar para o futuro, a partir dos “de baixo”, em meio a quem vive, como missionária dominicana, num bairro pobre da Guatemala: “aonde ninguém quer ir”, dada a situação de militarização e de violência aí presente; mas é também aí que a gente encontra uma gente alegre, bem-humorada, solidária;
- em nossa experiência, podemos encontrar dois tipos de espiritualidade: uma que reforça os valores do Mercado e outra que resiste aos mesmos;
- é preciso que tomemos o exemplo da criatividade das mulheres tecelãs, seu jeito de trabalhar distintos fios de suas histórias e de sua beleza, tecendo-os para transformá-los em algo distinto;
- a religião de mercado constitui um desfio para a nossa espiritualidade libertadora, à medida que o Mercado tudo transforma em mercadoria:o todo cambia en mercancia.
- A diversidade constitui outro fio a tecer. em nossa vivência: se somos uma aldeia global, também somos uma plural;
- A TdL deve ser instância crítica, no sentido libertador, de modo a favorecer o diálogo da diversidade, da autocrítica, o que nos deve levar à revisão, à autocrítica, pois também introjetamos valores colonialistas.
- o fazer teologia requer a capacidade de transgredir/transcender (termos que têm etimologia similar), de se desprogramar, de se desdomesticar, com liberdade: “salir de esta domesticación en la que muchas veces se convierten nuestras teologías”;
- para tanto, importa que empreendamos uma “desprogramação”, uma transgressão, que tem a mesma raiz de transcendência, no sentido de sermos capazes de ousar coisas novas, não seguir só o que está dado;
- empenhar-nos, com liberdade, por uma teologia e por uma pastoral que nos libertem, sem o que podemos transformar-nos naqueles passarinhos enjaulados, e a Bíblia nos dá muito embasamento nessa direção, a partir da pedagogia do samaritano;
- Geraldina propõe um fazer teológico que se inspire em três valores fundamentais: a ludicidade, a criatividade e a liberdade;
- fazer teologia com ludicidade, com gratuidade: diferentemente do espírito do Mercado, em que tudo se vende;
- fazer teologia como uma prática gozoza, na perspectiva da busca da felicidade, do bom viver entre as pessoas e com o Cosmo. Não raro, nós, teólogos e teólogas, com nosso discurso formal, ao modo de um falar “ex cathedra”, somos pessoas muito sisudas. Exercitar a ludicidade no fazer teológico pode ajudar-nos a combater nossas intolerâncias, a pretensão “à” verdade; essa mesma chave da ludicidade do fazer teológico ajuda-nos a exercer o nosso ofício com humildade, com simplicidade, com mais consciência da provisoriedade, de que nos dão exemplo as crianças quando brincam;
- propõe, como síntese, quanto à diversidade dos novos sujeitos, capazes de tecer uma história nova, três qiestões para dialogar, em busca de um fazer teológico mais significativo: levar em conta a biografia dos sujeitos, os corpos dos sujeitos; o tema do poder dos sujeitos;
-  isto vai implicar um diálogo intergeracional, um diálogo intercultural, um diálogo de gênero, um diálogo ecológico, de modo a perceber-nos como um fio da trama da vida; 
- outro fio destacado foi o da comunicação simbolizada sobremaneira pelos nava mídia alternativa, que emerge como um novo areópago, em nossos dias;- - reitera sua expectativa de que este Congresso seja, não um evento, mas um momento forte de um processo de uma caminhada pastoral e teológica capaz de responder aos novos desafios, por meio do nosso empenho em “vincular-nos”, em fazer comunidade, em não nos isolarmos nem fugirmos ddos desafios, mas tornando nossa a escolha de Maria ao visitar Isabel: vinculou-se!

Victor Codina – Partindo do tema que lhe foi proposto, o de refletir a caminhada da Igreja latino-americano, nesses cinquenta anos pós-Vaticano II, de modo a destacar, sobretudo as pendências, tratou Codina de ser reconhecidamente didático, claro, crítico, propositivo. Situou as condições históricas sócio-eclesiais que desembocaram no Concílio Vaticano II, aí tendo destacado a singularidade do Papa João XXIII, bem como vários textos do Concílio Vaticano II.

Partindo didaticamente da definição do conceito de “recepção”, passa, então, a sublinhar a forma criativa como o legado do Concílio Vaticano II recebido, na Igreja latino-americana, nas comunidades cristãs de base. Diferentemente do que se ouve dizer sobre uma pretensa “implementação” do Concílio Vaticano II na América Latina, o que, de fato, se deu foi uma recepção crítica, contextualizada e criativa do legado do Vaticano II.

É sob tal impulso que se dará a Conferência de Medellín, em 1968, quando se celebra o compromisso com a causa dos pobres, a “opção pelos pobres”, que muito deve ao método Ver-Julgar-Agir, inspirador da Ação Católica especializada. Nesse denso esforço de recepção criativa do legado do Concílio, as igrejas locais cumpriram importante papel, ao exercitarem sua condição de sujeitos dispostos ao diálogo, com autonomia e com abertura, sempre a partir do aprofundamento de seu contexto histórico concreto: o de um continente marcado pela pobreza, pela miséria, pela marginalização de enormes parcelas do seu povo. O grande diferencial que aí se deu, tem a ver com um cenário de martírio qua aí se agudizaria, para o que muito contribuiu o aprofundamento da Sagrada Escritura, quando dela se apropria o povo do pobres, fazendo uma leitura orante, contextualizada e comprometida da Sagrada Escritura. Altamente relevante a perspectiva da qual se parte, desde então, para se fazer Teologia da Libertação. Leitura orante, criticamente atenta aos sinais dos tempos, solícita aos apelos do Espirito, aberta às demandas e aspirações dos novos sujeitos emergentes.

Cordina foi dos mais enfáticos, ao  chamar a atenção para a relevância e oportunidade de se trabalhar melhor uma Pneumatologia, dando assim seguimento ao enorme esforço de alguns teólogos, inclusive José Cmblin, nessa direção.

Perguntado sobre a eventual oportunidade da convocação de um novo concílio, sinalizou, antes, para sua preferência, antes, por um Jerusalém II, com a participação do conjunto das igrejas cristãs.

Em breve, Codina mostrou-se bastante convincente em sua análise, sempre a fazê-lo com notável discernimento e, sobretudo, trazendo questionamentos heurísticos como desafios e tarefas ao alcance da Teologia da Libertação, nas próximas décadas, sobretudo por meio da nova geração de teólogoa e teólogas.

Sebastião Armando Soares - De sua fala prefiro recolher em pequenos tópicos, como parecia dar a entender, em sua concisa e densa intervenção.
- Comunhão de igrejas locais, com autonomia e abertas à unidade com as demais igrejas espelhadas pelo mundo, inclusive a que goza de uma posição de fraterna de;
- Respeito ao “sensus fidelium” como princípio de toda elalbração doutrinal da Comunhão Anglicana. Isto implica incessante empenho na construção do consenso em meio a situações de conflitos;
- a inclusividade: atitude de acolhimento das pessoas em suas situações específicas concretas, em sua vasta diversidade;
- tentativa de combinar episcopado e o conjunto dos fiéis nas tomadas de decisão;
- exercício do espírito sinodal (bispos, clero, leigos e leigas)
- autonomia das igrejas locais e interdependência em relação à Igreja Mundial;
- Inculturação;
- Cinco marcas de eclesialidade:
* o anúncio do Evangelho como fonte de conversão;
* A “koinonía” – convivência, comunidade fundada na convivência;
* formação para a convivência;
* formação pelos sacramentos;
* formação para uma Igreja que sirva para três coisas:
+ servir aos mais necessitados;
+ servir para ajudar a transformar as estruturas injustas;
+ servir para cuidar dos bens da criação, o que implica o cuidado da Terra como sujeito de dignidade e de direitos.

3. Pontos das conferências que recolho com mais entusiasmo e esperança

A recepção criativa do Concílio Vaticano II na América Latina e no Caribe –  Chama a atenção a força criativa com que foi acolhida a mensagem do Vaticano II, em nosso continente. Aqui se preferiu investir bem mais no espírito do Vaticano II (refontização, Povo de Deus, “aggiornamento”, ecumenismo, diálogo inter-religioso, colegialidade, justiça social, direitos humanos...) do que restringir-se à letra. É dessa releitura do apreço do Concílio justiça e pela paz, por ex., em Gaudium et Spes , ou a partir do n. 8 de Lumen Gentium, que se vai, na América Latina, desembocar na opção pelos pobres (sobretudo em Medellín e Puebla). O apelo à refontização, por sua vez, vai dar ensejo a toda uma belíssima caminhada de aprofundamento da familiaridade com a Sagrada Escritura, especialmente por meio da leitura orante da Bíblia, tão apreciada e tão vivenciada nos círculos bíblicos. Não foram à-toa as frequentes referências a Carlos Mesters, nesse sentido. Em breve, um exemplo bastante ilustrativo dessa recepção criativa pod-se observar na própriam Mensagem final do Congresso Continental de Teología, ao refereir-se ao bom Papa João, em sua conhecida expressão de Igrema como “mãe e mestra”, os e as participantes lembram que a comunidade eclesial caminha nesse rumo, à medida que, primeiro, vá se tornando “filha e discípula” do Seguimento de Jesus.

A força da memória histórica do legado dos teólogos da primeira geração  E aqui, me vinha à lembrança, em conversas com Comblin, do enorme esforço que representou – para ele e para os demais colegas teólogos – dar conta da enciclopédica coletânea “Teologia e Libertação”, que visava a desenvolver os diferentes temas refletidos pela Teologia da Libertação. Projeto que, como lembrava Codina, implicava dezenas de obras (em torno de cinquenta), contando com uns quarenta teólogos, atuando em dupla, em grande parte. Dessa coletânea, apoiada por dezenas de bispos latino-americanos, José Comblin contribuiu com umas três, na área da Pneumatologia, no campo da Antropologia Cristã e no domínio da realidade social (sobre o Neoliberalismo, analisado sob a ótica cristã).

A coragem profética do exercício do dissenso, na fidelidade à causa dos pobres – Mesmo durante o Concílio, a unidade desejada não se tornou uniformidade. Aí se observava a coexistência de posições, não apenas distintas, mas também por vezes antagônicas. Dentre as correntes ali presentes, como não lembrar a que foi protagonizada por algumas dezenas de bispos comprometidos com a causa dos pobres, como se mostrou tão bem no “Pacto das Catacumbas”, bem evocado por Jon Sobrino, durante esse Congresso Continental de Teologia? Também aqui, a par de grandes espaços de entusiasmo e afinidades, fez-se presente o dissenso, principalmente entre representantes da nova geração de teólogos e teólogas, a clamarem por espaços mais amplos de interlocução, da qual participem mais ativamente distintos sujeitos emergentes, expressando correntes novas afins da TdL, tais como as/os jovens teólogos e teólogas, a teologia indígena, a teologia negra, a teologia que trabalha a diversidade humana, também no campo da homoafetividade, entre outras. Há de se trilhar aqui, quem sabe, veredas semelhantes às já percorridas no domínio da Ecoteologia, que ainda pode avançar consideravelmente, sobretudo no ítem acolhimento criativo.

4. Um questionamento con/provocativo

É de se saudar e acolher, com firmeza, o esforço prospectivo externado em algumas falas, tanto de teólogos da primeira geração (a exemplo do próprio Gutiérrez, a instigar os teólogos e teólogas da nova geração a seguirem estrada, com o desejável rigor teórico-metodológico (o próprio Codina também acena nessa direção). Nesse sentido, é que encerro essas linhas com um questionamento marcado pela esperança:
Que atitudes e iniciativas concretas podemos esperar daquelas e daqueles teólogos (da primeira e das novas gerações) quanto ao esforço também combliniano (como o reconheceu e sublinhou Victor Codina) na perspectiva de se seguir aprofundando e ampliando as pesquisas no campo da Pneumatologia, sob a perspectiva da TdL?
Aqui importa registrar que a essas trilhas, José Comblin dedicou mais de três décadas de trabalhos, culminando com uma meia dúzia de densos textos (seu livro-esboço O Espírito no Mundo data, como se sabe, de 1978!), de modo tal que seu livro póstumo (que está sendo lançado nesses dias) também é dedicado a essa mesma inquietação.

João Pessoa, 20 de outubro de 2012.

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