por Reinaldo João de Oliveira
(Assessor de Políticas Públicas)
Bem refletiu o antropólogo Kabengele Munanga, em entrevista concedida
para a Revista Fórum (edição 77), que o “nosso racismo é um crime perfeito”.
Isso porque destina a culpa para a vítima... e sempre se vê impunidade nesses
casos denunciados, praticamente. E não é somente o antropólogo que constata
isso, como podemos analisar mediante a realidade, principalmente na ausência de
políticas públicas nesse campo.
![]() |
Kabengele Munanga |
Outro dado importante é o silêncio em torno da discriminação, que é
também um efeito próprio do “racismo à brasileira[1]”
onde se constata o racismo, mas não quem é racista (ou que se declare...). Por
isso, junto com essa forma de conscientizar, repetimos o que temos já refletido,
em outros momentos e debates que há muita escassez de políticas públicas no
enfrentamento das desigualdades raciais. E, além de constatarmos a dificuldade,
sabemos o porquê disso: dá-se por causa do racismo institucional, que faz com
que mesmo os gestores que sabem quem mais morre e quem mais sofre (no campo da
violência, da saúde, da moradia, do trabalho-renda) não vejam a questão como
prioridade. Há, portanto, uma dificuldade de reconhecer que a estrutura racista
faz com que os negros tenham mais dificuldade de acesso a direitos humanos. Aí
a pobreza aparece como tema, mas não a raça”. E isso tudo está dissimulado!
É fato que quando tratamos sobre a Consciência Negra desperta
questionamentos difusos e, mais do que isso, silêncios obscuros que na “surdina”
reagem de modo à perpetuar a discriminação sentida por quem sofre desse mal. Urge
organizamos coletivos de forças, ainda que sejam de posturas políticas e
ideológicas diferentes, para somarmos em pautas comuns, tais como: a luta pelo
ingresso das pessoas negras nas universidades públicas, programas
governamentais e universidades particulares com bolsas de estudo, como um
direito constitucional; articulações amplas de comunidades tradicionais: quilombolas
(nos meios rurais) e, mais comum, nas periferias ou nos centros de cultura onde
há promoção de igualdade racial, étnica e de gênero.
![]() |
Imagem da rede - internet (sabedoria ancestral) |
Surgem, também, em várias regiões do Brasil, associações para
conscientizar e fazer trabalhos preventivos na área da saúde, para
conscientizar sobre o tratamento das doenças próprias da comunidade negra, como
a anemia falciforme - doença que causa muitas mortes, especialmente por
desconhecimento dos médicos e dos próprios doentes.
Apesar disso tudo, denúncias já foram dirigidas à órgãos
governamentais sobre a questão da Saúde e do Trabalho, bem fundamentadas às
diferentes instâncias de poder – como no caso da OIT (Organização Internacional
do Trabalho) e Anistia Internacional - com exigências por oportunidades de
trabalho/renda, valor digno do salário e com plano de políticas públicas
para combater a discriminação contra a população negra no campo e na cidade,
bem como o trabalho escravo e para os casos de ameaças de morte e crimes
cometidos contra lideranças.
Lançado recentemente um relatório da ONU, aproveitando dados anteriormente
divulgados, sobre direitos humanos no mundo e na América Latina, onde o Brasil
e outros países da América foram apontados como possuidores de políticas
militares discriminatórias que violentam e perseguem os afrodescendentes: que
exploram e matam crianças de rua cuja maioria são negras, e que 5% da força
nacional de trabalho são de crianças entre dez e quatorze anos de idade.
![]() |
Imagem da rede - internet |
Em outra recente pesquisa realizada pelo Programa de Redução da
Violência Letal (PRVL), do Observatório de Favelas, após mapear 160 programas
governamentais de prevenção à violência, desenvolvidos em 11 regiões
metropolitanas do país identificou que apenas 19 iniciativas tinham como
objetivo específico à redução de homicídios. Destes 160 programas, somente 8%
tinham ações voltadas para os negros, que são as principais vítimas de
homicídios já há tempos comprovadamente.
Com tantos dados muitas vezes desconsiderados e pouco retomados, em
evidência apenas em algumas matérias jornalísticas, quase podemos afirmar que as
políticas públicas são um espelho da naturalização do racismo. Onde estão os
projetos que poderiam incidir numa verdadeira revolução nas consciências
cidadãs?
Em nível nacional, algumas ideias tentam minorar, tal como a
campanha “Juventude Marcada para Viver” que busca chamar atenção da sociedade,
bem como do Poder Público, visando impactar positivamente as consciências. Seria
uma legítima intenção de atingir não somente aqueles que são vítimas diretas do
problema. Logo, a ideia de atingir aos que banalizam as mortes ou acham que
podem justificar dizendo que ‘se morreu foi porque estava fazendo alguma coisa
errada”, seria um foco de debates e de maior ação e intervenção.
![]() |
Cartaz da Campanha |
No sentido da segurança pública e da violência, não há como reduzir
a letalidade sem reconhecer o racismo e assumir como prioridade na agenda
pública ações num processo de interlocução com gestores. Particularmente no que
tange municípios que apresentam altos índices de abordagens com prisões e homicídios
de jovens negros, visando contribuir na formulação de políticas públicas
voltadas para a promoção da igualdade racial e a valorização da vida.
É possível mudarmos a realidade urgente de discriminação com estratégias
voltadas, desde as redes sociais e com uma série de ações em pontos de Promoção
da Vida em diversas regiões, em nossas cidades. Conscientizar com metas em
favor do compromisso público de governo (municipal e estadual) e com protocolo
normativo de ações pontuais, que minimizam a discriminação.
[1] SILVA, Martiniano J. Racismo à Brasileira:
Raízes Históricas. 3ª edição. Anita, São Paulo, 1995.