terça-feira, 4 de janeiro de 2011

LITERATURA BRASILEIRA: COISA DE BRANCO?

Achei interessante reproduzir este texto-entrevista, postado no BLOG de um outro pesquisador a quem admiro e gosto de aprender sempre mais: Nei Lopes (abaixo do texto deixo o endereço de sua página).

Segue, portanto, a reflexão que dá título a esta postagem:

LITERATURA BRASILEIRA: COISA DE BRANCO?


Nosso amigo e irmão espiritual Alberto Mussa (na foto), escritor premiado e prestigiado, autor de instigantes romances como Elegbara, O enigma de Qaf, O trono da rainha Jiga, O movimento pendular e Meu destino é ser onça, acaba de ter postada no Rascunho, o jornal da literatura do Brasil, uma entrevista da pesada concedida ao Paiol Literário - projeto promovido pelo Rascunho em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba e o Sesi Paraná.

Na entrevista, Mussa fustiga mais uma vez o racismo da Literatura Brasileira. E o faz com argumentos irrefutáveis, como os seguintes:

 “Em 99,9% dos romances brasileiros, você só chama de negro quem é negro. A quem você não dá a cor, presume-se que é branco. Por quê? Porque você escreve pensando como branco e, o que é mais grave, escreve para um público branco. As pessoas que fizeram a literatura brasileira do século 20 não imaginavam que sua obra pudesse ser lida por negros. Não imaginavam que os negros iriam à escola um dia, que seriam universitários, que seriam intelectuais. Escrevi um artigo sobre Monteiro Lobato que me causou um problema tremendo, porque eu disse que sua obra era completamente imprestável, apesar de ser genial. Tenho um grande amigo que é negro, e sua filha negra estuda numa escola onde pegaram para ler o Monteiro Lobato. E, ali, ela leu que a negra é beiçuda e burra. A Tia Anastácia é caracterizada assim. Aí, me responderam ao artigo dizendo que aquilo era um absurdo, porque, para compreender um livro, eu tinha que contextualizá-lo historicamente. Aí, eu pergunto: você vai contextualizar historicamente um livro para uma criança negra de sete anos, que estuda numa escola de padrão alto onde todos os seus colegas são brancos? Vai pegar um livro que diz que a negra é burra, feia e fedorenta - que é como a Emília se refere à Tia Anastácia - e vai querer contextualizar isso historicamente? Esse livro é imprestável para ser usado numa sala de aula. Ele reforça esses estereótipos. Esse é um problema que trai o nosso racismo. Pegue os grandes autores: José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa. Os melhores. Você vai ver, neles, esse procedimento. É o personagem Fulano, o Sicrano e, na hora em que aparece o preto, é "o preto". O preto Alguém. E, dali a pouco, esquece-se o nome do personagem e ele passa a ser só "o preto", ou "o mulato". Não é possível. A gente tem que encontrar outra forma de tratar disso.

“Nos meus livros, nunca digo que um personagem é negro. Nunca digo, o leitor vai ter que descobrir. Vou dar indicações. Se falo que ele é um escravo, e estou falando do período da escravidão, você pode deduzir isso mais facilmente. Mas, no livro que estou escrevendo agora, tenho essa dificuldade. Ele não se passa no período da escravidão. Se passa em 1910, 1920. É um exercício interessantíssimo mostrar ao leitor que um personagem é negro sem dizer que é negro. É um desafio, é difícil. Antigamente, em lingüística, isso era chamado de "elemento marcado". O elemento marcado era aquele que você "tinha que dizer". Quando você não diz alguma coisa, presume-se outra. Então, a literatura presume-se uma coisa de brancos. Escritores brancos e leitores brancos. Quando aparece um elemento negro, ele tem que ser marcado”.

Falou, Mussa! E o Lote assina embaixo.

 
(Postado em 16 de Dezembro de 2010 - in: http://www.neilopes.blogger.com.br/)


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