O regime ditatorial do Antônio de Oliveira Salazar instituído em 1933 criou a casa de estudante do império para mais facilmente vigiar e controlar os africanos que estudavam em Lisboa. A casa de estudante reunia africanos que pela ausência da universidade em seus países de origem – as colônias portuguesas na áfrica – dirigiam-se Portugal, concretamente Lisboa, financiado pela família, igrejas ou alguma instituição, a fim de fazerem faculdade. O regime salazarista tomou “tiro pela culatra”, porque não se imaginou que o espaço inicialmente criado para repreensão, tornou-se ponto de encontro dos estudantes africanos, onde se debatiam sucessivos problemas desde nacionalismo negro até ideais libertários de cujo socialista. Por outra palavra, a “Caso do Império” serviu de espaço de gestação do nacionalismo africano. Na casa reuniam-se angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos e são-tomenses, que encontram sistematicamente para debateram as suas produções intelectuais e discutir, sobretudo, a situação colonial e a necessidade de libertar os seus irmãos da exploração imperialista.
Para aquecer mais os debates os três estudantes africanos a viver na Casa dos Estudantes do Império em Lisboa, Amilcar Lopes Cabral, Antônio Agostinho Neto e Mario de Andrade decidiram formar um Centro de estudos africanos para uma leitura séria e comprometida da realidade dos seus povos que passavam por um momento particular das suas historias – a dominação colonial – e juntos elaborarem uma estratégia para pôr fim a essa situação.
Numa dessas discussões Amilcar Cabral estudante de agronomia disse o seguinte:
vivo intensamente a vida e dela extraí experiências que me deram uma direção, uma via que devo seguir, sejam quais forem as perdas pessoais que isso me ocasione. É necessário o regresso a África. Eis a razão de ser da minha vida. Cabral não via a perda pessoal, mas a necessidade de regressar a sua terra para juntos com os seus irmãos lutarem contra dominação do seu povo.
Agostinho por sua vez sustenta a necessidade de voltarem as raízes africanas. Dessa forma argumenta que:
é mais triste que espantoso que uma grande parte de nós, os chamados assimilados, não sabe falar ou entender qualquer das nossas línguas! E isto é tanto mais dramático quanto é certo que pais há que proíbem os filhos de falar a língua dos seus avôs. É claro, quem conhece o ambiente social em que estes fenômenos se produzem e vê no dia a dia o desenvolvimento impiedoso do processo de “coisificação” não se admirará de tanta falta de coragem. Este desconhecimento das línguas que impede a aproximação do intelectual junto do povo cava um fosso bem profundo entre os grupos chamado assimilados e indígena.
Afirma também o Mario Pinto de Andrade que:
em contexto colonial, a assimilação traduz-se sempre na prática por uma desestruturação social dos quadros negro-africanos e pela criação em número reduzido da elite assimilada. No caso português, a assimilação apresenta-se como uma receita (a única) que permite fazer sair o indígena, o negro-africano, das trevas da sua ignorância para entrar no santuário do saber. Uma forma da passagem do não-ser ao ser cultural, para empregar a linguagem de Hegel. O problema hoje é de saber como vai reagir o homem assimilado nessa situação artificial, parasitária de desenraizado. Como se vai afirmar? Fugindo do convívio com o indígena? Perdendo-se ao contacto com as luzes brilhantes da civilização? Aceitando e aprofundando a sua pseudo-condição de mestiço cultural?. Uma tarefa se impõe, a meu ver, no momento histórico que atravessamos, para responder justamente a essas interrogações, que é a de retomar, esquadrinhar no nosso passado as correntes de afirmação, da tomada de consciência, através de atitudes individuais e dos movimentos culturais que se foram desenvolvendo, diante do problema da cultura negro-africana e da assimilação. Concentrados, os africanos agora querem “redescobrir” a África que era deles e deles deixou de ser...
As discussões travadas entre jovens intelectuais africanos ultrapassaram simplesmente o desejo de voltarem às origens africanas, como o aprendizado do Kimbundo, como ocorreu com Mário de Andrade e Antonio A. Neto, mas para as discussões políticas desde as vias, os meios e o papel que eles (jovens intelectuais africanos) poderiam desempenhar na libertação dos seus países. Desta forma analisaram a estrutura colonial, facilmente chegaram a seguinte conclusão: “nenhum progresso real se poderia fazer no interior da organização montada pelos portugueses. Nenhum progresso veria senão depois de um processo de democratização de grande envergadura, e isto aplicava-se a todos os aspectos determinantes da vida, desde o ensino primário até à direção política”. *
*(MELO et al p.164).
A leitura de autores de pensamento socialista, Marx e António Gramsci contribuíram bastante na formação de consciência revolucionária dos estudantes africanos. A experiência de Gramsci, na sua luta pela transformação do Partido Comunista Italiano, da ortodoxia imposta pela antiga União Soviética sob Stalin, pode ter influência marcante na vida desses jovens.
A visão gramsciana sobre a organização do Partido e a definição do que deve ser o seu conteúdo revolucionário ou reformador, encontram-se presentes nos movimentos de libertação que emergiram das discussões travadas na “Casa dos Estudantes do Império”.
Em 19 de setembro 1956 Amilcar Cabral e alguns camaradas criaram PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) fundamentada no princípio de “Unidade e Luta” como alavanca para expulsar o colonialista português e libertar o seu povo de qualquer espécie de dominação.
Segundo Cabral :
para lutar é preciso unidade, mas para ter unidade também é preciso lutar. E isso significa que mesmo entre nós, nós lutamos; talvez os camaradas não tenham compreendido bem. O significado da nossa luta, não é só em relação ao colonialismo, é também em relação a nós mesmos. Unidade e luta. Unidade para lutarmos contra o colonialismo e luta para realizarmos a nossa unidade, para construirmos a nossa terra como deve ser” *
*( MELO et al p.8).
Foi com base nesse princípio de “unidade e luta” entre povo da Guiné e Cabo Verde que o Cabral e os seus companheiros mobilizaram o povo e conduziram toda a luta contra a dominação portuguesa nos dois países.
Em 10 de dezembro de 1959 foi fundado MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), também com forte influência socialista na sua estrutura.
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Reinaldo.