segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

BIOGRAFIA, BIBLIOGRAFIA E POESIA DE CRUZ E SOUSA


João da Cruz e Sousa nasceu a 24 de novembro de 1861 em Nossa Senhora do Desterro, capital da Província de Santa Catarina, atualmente, Florianópolis. O nome João da Cruz é uma alusão ao Santo homenageado no dia de seu nascimento, San Juan de la Cruz. Filho dos ex-escravizados alforriados Guilherme, pedreiro; e de Eva Carolina da Conceição, cozinheira e lavadeira, João da Cruz foi criado pelo Coronel Guilherme Xavier de Sousa (que viria tornar-se Marechal) e sua esposa Clarinda Fagundes de Sousa, que não tiveram filhos. Assim, acabou por herdar o nome Sousa e obteve uma educação proporcional a dos brancos abastados de seu tempo. Com apenas 9 anos de idade já escrevia e recitava seus poemas para os familiares. Com o falecimento de seu protetor em 1870, as condições de vida tornaram-se menos confortáveis para o jovem João da Cruz.

 
No ano de 1877, suas obras poéticas passaram a ser publicadas em jornais de Santa Catarina. Ao lado dos amigos Virgílio Várzea e Santos Lostada, João da Cruz fundou um jornal literário intitulado "O Colombo", em 1881. No ano seguinte fundou a "Folha Popular". Nesta mesma época, partiu em excursão pelo Brasil junto a uma companhia teatral e declamava seus poemas nos intervalos das apresentações. Também se engajou na luta social e passou a liderar conferências abolicionistas. Em 1883, foi nomeado promotor da cidade de Laguna. Mas não chegou a assumir o cargo devido ao furor preconceituoso de chefes políticos da região.

Em 1885 publica seu primeiro livro de co-autoria de Virgílio Várzea, intitulado Tropos e Fantasias. Até 1888 atuou em jornais, revistas e no centro da Imigração da Província de Santa Catarina. Neste mesmo ano, viajou para o Rio de Janeiro a convite de Oscar Rosas.
 
Em 1891 transferiu-se definitivamente para a então capital da República, Rio de Janeiro. A partir daí entrou em contato com novos movimentos literários vindos da França. Neste caso, João da Cruz e Sousa identificou-se especialmente com o chamado Simbolismo. O negro sulista que se enveredava pelos caminhos do Simbolismo, sofria duras críticas do meio intelectual de sua época; já que nesse momento, o Parnasianismo era a referência literária emergente.Em 1871, entrou no Ateneu Provincial Catarinense. A partir de 1877, lecionava aulas particulares por necessidade financeira e impressionava seus companheiros de estudo pela capacidade intelectual. Conhecedor profundo de francês, chegou a ser citado numa carta do naturalista alemão Fritz Muller. Nesta carta dirigida ao próprio irmão em 1876, o naturalista citava João da Cruz como um exemplo contrário das teorias de inferioridade intelectual dos negros.

Em novembro de 1893 casou-se com Gavita Rosa Gonçalves, também descendente de escravos africanos. Deste matrimônio nasceram quatro filhos, Raul, Guilherme, Reinaldo e João. Mas todos faleceram de tuberculose pulmonar. Sua esposa, ainda sofreu de distúrbios mentais que chegaram a refletir até mesmo nos escritos do poeta.

Ainda em 1893 publicou dois livros: Missal (influenciado pela prosa de Baudelaire) e Broquéis; obras que marcaram o lançamento do movimento simbolista brasileiro. Em 1897, concluiu um livro de prosa poética denominado Evocações. Quando preparava-se para publicá-lo, viu-se abatido pela tuberculose e partiu para Minas Gerais em busca de tratamento.

Faleceu em 19 de março de 1898 aos 36 anos de idade. Seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro num vagão para transporte de gado. O amigo José do Patrocínio pagou as despesas com o funeral e o enterro no cemitério São Francisco Xavier. No ano de sua morte ainda foi publicado Evocações. Em 1900, Faróis; e em 1905, o volume de Últimos Sonetos.

O negro que contrariou o preconceito racial e se pôs a liderança do Simbolismo brasileiro, é autor de uma obra que traz versos como:

"Anda em mim, soturnamente / Uma tristeza ociosa / Sem objetivo, latente / Vaga, indecisa, medrosa"
(Tristeza Do Infinito - Últimos Sonetos)
Além de:

"De dentro da senzala escura e lamacenta / Aonde o infeliz / De lágrimas em fel, de ódio se alimenta / Tornando meretriz"
(Da Senzala - O Livro Derradeiro)

Percebe-se num primeiro momento o sofrimento de uma alma que ecoou diretamente em sua obra. Mas posteriormente, a consciência social e humanista de um cidadão. Cruz e Sousa, posteriormente chamado de "o Dante Negro" ou "Cisne Negro", foi um poeta Simbolista que ainda não obteve o reconhecimento literário devido, mas agrega em sua obra a essência única de um autor que cativa e comove por sua autenticidade.

"Que importa que morra o poeta? Importa que não morra o poema!"
(Cruz e Sousa)

Fonte: http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/cruz_sousa.htm
Pesquisado em 01/10/2009.
____________________________________________

Bibliografia completa do autor:

SOUSA, João da Cruz e. Broquéis. Rio de Janeiro, 1893.
_____. Evocações. Rio de Janeiro, 1898.
_____. Faróis. Rio de Janeiro, 1900.
_____. Missal. Rio de Janeiro, 1893.
_____. Obras completas (prefácio de Nestor Victor). Rio de Janeiro, 1923-24. 2v.
_____. Poesia completa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1985.
_____. Sonetos da noite. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1988.
_____. Últimos sonetos. Rio de Janeiro, 1905.


Sobre o autor:


ALVES, Uelinton F. Reencontro com Cruz e Sousa. Florianópolis: Papa-livro, 1990.

MONTENEGRO, Abelardo F. Cruz e Sousa e o movimento simbolista no Brasil. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1988.

SOARES, Iaponan. Ao redor de Cruz e Sousa. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988.

___________________________________________________________________________________
O limiar da consciência
Comentário crítico:

A poesia de Cruz e Sousa situa-se em um período caracterizado por uma tomada de consciência da situação de preconceito e discriminação a qual transparece no tecido poético, principalmente no nível do implícito, dos simbolismos e do não-dito. A denúncia e a revolta são legíveis mais nos vazios e nas evocações do texto do que propriamente na construção dos poemas.

Se nas obras mais conhecidas (Missal e Broquéis) deste que foi o maior poeta simbolista brasileiro, cuja obra atingiu tal nível de excelência que colocou em pé de igualdade com os maiores poetas da literatura simbolista universal como Rimbaud, Baudelaire e Mallarmé, não se podem apontar exemplos de um eu-lírico reivindicando sua negritude, isto não quer dizer que a questão do grau de consciência negra de Cruz e Sousa esteja encerrada.

A análise do longo poema em prosa, Emparedado, revela, pela primeira vez na poesia brasileira, uma postura crítica face à preconceituosa sociedade da época, feita por um negro que assume sua condição de negro emparedado no mundo branco.

Na realidade, o poeta sente-se oprimido entre quatro paredes; a primeira constituída pelo Egoísmo e pelos Preconceitos; a segunda, pela Ciência e pelas Críticas; a terceira, pelos Despeitos e pela Impotência, enquanto a última, pela Imbecilidade e pela Ignorância. Na verdade, em sua época como nos dias de hoje, a soma destes oito elementos constrói o triste cenário da Discriminação e do Isolamento através dos quais se pretende vedar ao negro seu acesso à plena realização individual, social e, sobretudo, artística.

Invocando como musa inspiradora de seu poema, a Noite "feiticeira e misericordiosa", Cruz e Sousa assume a enunciação em primeira pessoa para desvendar o tema da "raça de África", criticando a visão que a considera bárbara. Cruz e Sousa questiona este "conceito de barbárie", devolvendo-os aos brancos a quem considera como "mais bárbaros".

O poeta de Santa Catarina consegue, na última década do século XIX, propor a reflexão, sobre a qual aliás se empenhará toda a antropologia moderna, da demolição da ideologia que pretende estabelecer falsos vínculos entre raça (ou cor da pele) e produção de determinada cultura.

Sua indignação contra os que não querem reconhecer sua produção poética por "uma questão banal da química biológica do pigmento", o levam a questionamentos que o inserem na perspectiva do mais moderno pensamento antropológico da atualidade:

"Qual é a cor da minha forma, do meu sentir? Qual é a cor da tempestade de dilacerações que me abala? Qual a cor dos meus sonhos e gritos? Qual a cor dos meus desejos e febre?"

Roger Bastide, comparando o poeta brasileiro a Baudelaire, assinala o tema principal comum a ambos:

"o da maldição que pesa sobre o poeta, que o faz viver à margem da sociedade, como um ser amaldiçoado, vítima da zombaria e do rancor dos homens e que o leva finalmente à revolta. Mas esse tema sofre igualmente uma transformação profunda, porque se ouve no fundo o grito de uma raça oprimida. Não é impunemente que ele exprime, sobretudo no 'Emparedado', essa criação única do mito da África. O poeta, diz ele, na medida mesmo em que é poeta, é um desadaptado, um isolado e revoltado em relação ao meio em que vive. Mas temos a impressão de que, se o poema vai da revolta de esteta à revolta do homem de cor, na realidade a marcha psicológica de seu pensamento é o inverso da ordem lógica de sua prosa. É por que, devido às suas origens sociais, ele já era um desadaptado, um isolado, repelido do meio dos brancos; é porque se ergue contra sua ascensão na hierarquia humana, esse muro de pedras de que fala no fim, que procurou na arte isso a que os sociólogos e psicanalistas chamariam uma 'racionalização' de seu desajustamento: metamorfoseou assim o seu protesto racial em uma revolta estética, seu isolamento étnico em isolamento de poeta, a barreira de cor na barreira dos filisteus contra os artistas puros".
Fonte: Poesia negra brasileira: antologia / organização de Zilá Bernd; prefácio de Domício Proença Filho - Porto Alegre: AGE : IEL : IGEL, 1992. pp. 29-31.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

Acesso pelo TWITTER

Acesso pelo TWITTER
Clique sobre a imagem!