quinta-feira, 29 de setembro de 2011

DIALOGANDO SOBRE "TEOAFRICANIDADES" (e outros conceitos em construção)

por Reinaldo João de Oliveira
in Artigo: Teoafricanidades em diálogos e perspectivas

Permanece uma dúvida no pensamento dos que buscam dialogar com o mundo da cultura expressa em diversas manifestações religiosas afrobrasileiras, que é a questão dos lugares e das falas. Mas, quem fala, ou quem representa essa ou aquela expressão cultural, religiosa? Conforme M. Foucault, “a fala é também instrumento de poder”, pois geralmente nos espaços onde estas são fundamentadas na prática, que é nos meios institucionalizados, onde a fala compete a quem têm acesso: O falar em nome de algo ou alguém sempre acarreta grande responsabilidade, que supera o sujeito (cf. in: FOUCAULT, M. O sujeito e o poder - no prelo). Na prática, porém, as perguntas passam pelo dinamismo do caminho que até aqui fizemos, desconhecendo o mundo do “outro”, que nem sempre se situa na mesma estrutura “lógica” – assim entendidos pela elaboração do mundo ocidental na relação com o mundo africano, que se traduz nestas expressões e manifestações de caráter não oficial. Um exemplo desse modelo, Gadamer faz na perspectiva do “ser”, como entendimento ocidental (Cf. Hans-Georg Gadamer, 2007, p. 99).

Alguns exemplos e modelos podem ser ilustrativos para um novo esboço de construção social e também cultural-religioso, como num olhar diferenciado.


UM OLHAR AFRODESCENDENTE
Conforme Maria da Consolação André, atualmente esse desenvolvimento acerca do “ser negro” se pauta numa construção de subjetividades em afrobrasileiros, tendo como cenário “lugar comum” – sendo também focados na perspectiva do olhar diferenciado (Cf. Maria da Consolação André, 2008, p.12).

Mais do que uma concepção não fundamentada empiricamente, como quiseram afirmar antes, devemos ultrapassar os paradigmas que ainda perduram no consciente coletivo (implantado), sobre a inferioridade do negro frente a sociedade em que vivemos. Não se sustenta essa e outras idéias aplicadas, em que qualquer ciência até aqui nunca conseguiu provar através de teorias raciologistas. De fato, poderíamos afirmar categoricamente que raça não existe, mas que o racismo ainda insiste permanecer na mente de muitos das sociedades em que vivemos, mascarados ou já definidos pela tonalidade da cor epidérmica (Frantz Fanon, 1983. Pele Negra, Máscaras Brancas).

Considerar-se negro, negra, afrodescendente, hoje, está muito mais relacionado com uma concepção política de afirmação do que propriamente afirmação racial, aqui se constata por esse diferenciado “olhar”. Por isso, está mais do que superada a tese da raça pela cor da pele e, juntamente com esta, a idéia subjetiva de que todo negro é igual, ou está “condenado” à agir conforme um certo tipo de esteriótipo – qualquer que seja. A formação dos Agentes de pastoral e de todas as demais lideranças (professores, educadores) deve ser bem articulada para romper com exageros e má estruturação sobre o que seja considerado neste aspecto.

A IMPLICÂNCIA DA FALA
Outro ponto a ser construído, em diálogo teoafrodescendente, seria o de pensar sobre o fenômeno da “reafricanização” – a partir do exposto, que não é o mesmo no entendimento acerca do ‘sincrético’. Assim, hoje alguns teóricos afirmam existir um forte movimento com intuito de tornar o Brasil mais africano, como analisam algumas dessas “falas”, no interior das Religiões de Matriz Africana:

Reafricanização é um processo sofrido por pessoas já praticantes do Candomblé, do Batuque ou da Santería (ou outros cultos comparáveis como tambor de mina ou xangô) que insatisfeitas com o conhecimento religioso que receberam, viram-se para a África de hoje, especialmente para a região dos iorubás, como fonte verdadeira de conhecimento teológico e ritual. Por meio desse processo, a África vem a ser vista não só como a origem remota da tradição religiosa, mas também como modelo contemporâneo para sua prática. As atuais crenças e práticas religiosas africanas (principalmente iorubá) assumem posição de primeiro plano. Os seguidores reafricanizados (que vivem, em sua maioria, em situações de diáspora secundária) tomam aulas de língua e de cultura iorubá, compram livros sobre o sistema advinhatório de Ifá, usam roupas e exibem imagens e artigos rituais importados do país dos iorubás, e às vezes são iniciados por praticantes dessa origem (Prandi 1991; Silva 1995; Palmié 1995; Capone 1999a, 1999d – in: Alejandro Frigerio, 2005, p. 141).


Como crítica, para o pensamento atual, está superada, em muitos aspectos, algumas reflexões feitas por estudiosos há certo tempo, mesmo vendo voltarem pensar em “transplantes” políticos – até no sentido da educação. É o que sempre procurou fazer no Brasil, através de literaturas e concepções herdadas, que estão em base à polêmicas não passíveis de aceitação, como um modelo para a Educação. Simples exemplo recente foi uma polêmica, trazida como debate nacional acerca de uma das obras de Monteiro Lobato, utilizada na rede pública, com traços não contextualizados e muito menos favoráveis a um bom desenvolvimento ético da educação como combate à discriminação. Outra repercussão anterior, que teve a postura e o desejo do próprio autor, Lobato, na publicação de um ensaio, objetivando que se tornasse um “best-seller nos Estados Unidos”, caiu no fracasso e, inclusive, foi considerado como “ofensivo à dignidade americana”.

Uma das primeiras edições.

Edição em idioma espanhol.


Para entender melhor, esse recorte em sua extensa produção, Muniz Sodré desenvolve melhor o seguinte:

Em O Presidente Negro e o Choque das Raças (1926), Monteiro Lobato concebe uma insólita história de ficção científica. No ano 2.228, um negro é eleito presidente da república dos Estados Unidos da América do Norte, provocando grandes reações. Ciente de que “todo negro deseja ter o cabelo liso”, um cientista branco cria um produto alisante que, uma vez passado no cabelo, esteriliza o indivíduo. No enredo, um “raio louro” branqueia a pele e aloura os cabelos, mas ainda assim, devido a “algo indefinível que resta negro e tem de ser eliminado”, impõe-se a esterilização. Só por efeito da superioridade mental da raça branca, ficaria resolvido o “problema negro” nos Estados Unidos (Muniz Sodré, 1999, p. 233).


Claros e Escuros: Identidade, Povo e Mídia no Brasil

Neste nosso estudo, nos baseamos na primeira edição deste, que tem como complemento ao título: "Por Um Conceito de Cultura No Brasil" - CODECRI, RJ, 1983.

Assim, questionamos e fundamentamos algo do que pensamos ficar evidente enquanto uma boa intelecção a se trabalhar na Educação Religiosa, no ensino público, nas práticas, debates e diferenciações acerca destas construções conceituais.

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Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

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