quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A CONSTRUÇÃO DO "LUGAR AFRO" NA EPISTEMOLOGIA

Em homenagem aos intelectuais negros do Brasil, em particular aos teólogos, neste dia em que se lembra deste ofício pouco requisitado atualmente na 'sociedade laica' (30 de novembro).

por Reinaldo João de Oliveira
(Mestre em Teologia Sistemática)
in Artigo: Teoafricanidades em diálogo e perspectivas.


Embora não trabalhamos em cima deste conceito "Ubuntu" decidi colocá-lo na perspectiva de uma referência importante ao tema exposto - de construção a partir de uma "outra" epistemologia...

          A população afrodescendente tem uma grande dificuldade de saber qual a sua genealogia, suas origens - tão necessário para o caminho da sua afirmação identitária. Assim, dado à condição implicada nestes processos, sequencialmente, sem fugir de diversas análises, remeto ao caminho que traçamos, para além do horizonte do "ocidente".

Essa é uma das principais indagações e fontes de pesquisa deste importante filósofo contemporâneo.


 
Uma das interpretações de “lugar” referido é o epistemológico, assim podemos considerar este como um olhar para as ciências, inclusive a teologia (apesar das críticas sobre o seu estatuto científico), vale observar que é um “olhar marginal”, pois estamos na grande maioria das vezes situados fora dos discursos destes centros, mas com olhares para nossa casa-comum (cf. APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura). Essa é uma análise mais sobre o fato do olhar a partir do próprio afrodescendente, com um menor número considerável dentre estudantes, e menor ainda entre professores/as, pesquisadores do fenômeno religioso e cultural afrobrasileiro.

Além de uma primeira constatação, o que mais podemos notar é o fato da Educação de base, na rede pública, onde muitos professores/as são mal formados sobre a história afro-brasileira e indígena e suas formas de religiosidade. Assim, não podemos esperar muito de uma formação adequada para gerar uma consciência suficiente para o processo que antes inferimos como uma necessidade – o da afirmação identitária. Logo, constatamos que a formação recebida pelos professores, em geral, teoricamente e na prática, é aquém da realidade brasileira quanto a questão africana e indígena com suas vivências históricas culturais e religiosas. assim tem sido a luta e buscas de outros importantes teóricos da práxis e da epismologia afro.

Abdias do Nascimento é uma grande referencia de serviço à causa da libertação, pelas vias da Educação, da Religiosidade/Cultura e Artes Negras do nosso tempo. Sua luta alimenta o dinamismo e as ações, como importante intelectual Negro brasileiro, militante e dedicado aos povos afrodescendentes do mundo todo.
 Podemos também afirmar que tanto as manifestações religiosas são elementos fundantes da cultura brasileira, ainda desprezados, desfavorecidos no ambiente das universidades e das escolas públicas, assim como as políticas relacionadas à promoção humana de pessoas afrodescendentes que ainda permanecem desconhecidas. Isso tudo pode ser constatado através dos programas e currículos dos cursos superiores e da escola pública que pouco tratam do fenômeno religioso africano no Brasil, que se confunde com as práticas do cristianismo e outras tradições religiosas espirituais eurocêntricas. E, mesmo nas instituições em que no currículo, ou programa, se vê imbricado a relação do estudo com o fenômeno religioso, manifesta-se estes equívocos – percebidos nos congressos, seminários e abordagens a respeito (realizados no sul do Brasil de 2009 a 2011). Ainda assim, toda essa discussão desenvolvida na esfera pública é o caminho que devemos continuar seguindo.
Produções de qualidade reconhecida são cada dia melhor desejadas no currículo escolar, para aprofundamento das 'raízes da construção do conhecimento' fundamental para estudantes e professores no Brasil.
Precisamos de mais ousadia acadêmica na pesquisa, sem os medos que impregnaram os discursos até aqui elaborados por outros estudiosos não tanto imparciais nas suas apresentações – e quero fazer valer até mesmo os próprios teóricos que nos ajudaram a chegar até aqui, num caminho de vitórias. Cito sem necessariamente fazer diferenciação sobre correntes de pensamento, ou de postura acadêmica. São nomes importantes para a pesquisa, tais como: Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide etc (conferir algumas referências no fim desta postagem). Apropriar-se dos vários pontos de vista também se torna um importante movimento que significa essa ousadia do pensamento livre, com vistas à uma atualização fundamentada na história, nas ciências gerais, a caminho de outras descobertas e horizontes.
Também para a teologia, que ainda permanece na esfera privada, cada realidade dessas, quando discutida, estudada, demonstra o quão necessário se faz empreender o caminho em que estamos para o “lugar” onde podemos chegar – sem interrupção, estagnação ou recolhimento. Na compreensão geral sobre o pensamento teológico ocidental em referência ao pensamento africano, já se desenvolveu uma análise partindo da Conferência Pan-Africana de Teólogos do Terceiro Mundo, reunida em Accra, Ghana (de 17 a 23 de dezembro de 1977), com uma reflexão teológica pertinente, nos aproximando em certa medida, para este contexto que permanece atual:

Afirmamos que nossa história é ao mesmo tempo sagrada e secular (...). Na estrutura tradicional não havia dicotomia entre o sagrado e o secular. Ao contrário, o sagrado era experimentado no contexto do secular. A Igreja deve tomar a sério este sadio modo de entender nossa sociedade africana (...) Os teólogos africanos têm plena consciência daquilo que ocorreu devido ao impacto da cultura ocidental sobre sua vida ordinária. Eles não rejeitam o cristianismo, mas estão convencidos de que a interpretação ocidental do mesmo produziu distorções. Insistem que Jesus encarava a vida sempre de modo “holístico” (...) e recusando-se a separar a vida em categorias sagradas e seculares, crêem os teólogos africanos serem capazes de harmonizar o pensamento tradicional africano com as perspectivas do cristianismo primitivo, trazendo assim uma importante contribuição para a atual compreensão do Evangelho cristão fora da África. (...) Num sentido pode-se descrever a presente fermentação na teologia africana dentro do contexto do tema da libertação: a saber, salvação como libertação. (...) Jesus preocupava-se com o perdão dos pecados, mas também com a cura da doença e a libertação dos pobres e oprimidos (Malcolm McVEIGHT, 1980, pp. 75–80).

Não somente as Igrejas e as Teologias Cristãs devem tomar a sério o sentido daquilo que concerne o modo mais adequado de se pensar a experiência religiosa do “outro”. Certamente, será necessário mais do que simples pinceladas, ou fragmentadas instruções na formação geral da cultura do nosso povo, que é o herdeiro, ou será vítima, da reforma educacional no Brasil.
Mas, enquanto organismo de pessoas que reflete sobre a realidade afrobrasileira, que queremos fomentar melhor de modo a vê-la explicitada, de modo que nos perguntamos: onde e como nos situamos, ou nos apresentamos para a ação? Que lugares e perspectiva temos deste a história (contada e não contada)? E, para onde iremos?

Esta produção é um belo começo de "recontrução" e resgate na perspectiva histórica, por exemplo... contando uma história não contada, ou mal contada.

‘LUGARES’ DE PERSPECTIVAS AFROTEOLOGAIS
Como diriam há um pouco de tempo, em estruturas mais ou menos eurocêntricas, referênte ao "aggiornamento", também se faz valer hoje, quando pensamos num retorno às fontes (outras fontes, porém, ou as mesmas de uma outra forma...).
Evidente que nem tudo é comum às leituras feitas na história sobre o Negro no Brasil. O que se estudou ou falou a respeito dos assuntos ligados ao universo religioso afro-brasileiro, como parte de um patrimônio cultural, não se deu da mesma forma, ainda que se teimem pintar um mesmo quadro em tantas projeções, tais como: em novelas, peças teatrais, obras de arte etc. Sem dúvida que todas elas expressam “algo” sobre o que foi ou do que está sendo mostrado da realidade dos povos afrodescendentes, ainda que desfocada, ou apenas de forma fragmentada em grandes veículos de mídia, especialmente. Por isso, também cabe sempre ao pesquisador, que observa estes cenários descortinados por tantos autores, procurar além deles olhando adiante e, se necessário ou possível, rompendo algumas fronteiras e ultrapassando o Atlântico (cf. filme: Atlântico negro: na rota dos orixás). Ultrapassar, sobretudo, no sentido do conhecimento na relação da África Continental, em suas peculiaridades distintas e locais, na relação com o Brasil, em perspectivas inter-religiosas, “pluri-multi-cultural”.
Este filme favorece muitos debates e pode ser muito bem utilizado por educadores e demais grupos de trabalhos e pesquisas em diferentes óticas e contextos.
A temática afrodescendente permeia tanto o contexto simbólico da cultura, com suas semânticas carregadas em mitos ancestrais, quanto de re-significações hoje exploradas em várias direções. Hoje, esta temática, está mais significativamente situada nos “lugares” de onde partem os estudos e as ações, como nas realidades sócio-econômicas (as necessidades mais sentidas) e nos direitos “humanos” – luta dos movimentos por cidadania e justiça social no Brasil. Porém, quais os enfoques dados? E as ciências que abordam os assuntos relacionados ao contexto religioso implicado nestes cenários, o que dizem? No mundo das Religiões Cristãs, alguns se manifestam como “devedores” de uma postura mais incisiva no processo de evangelização e reconhecimento da importância dos povos afrodescendentes na atual concepção evangélica, particularmente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, através de grupos de pessoas formadas em sua maioria nas escolas de teologia, que organizaram alguns estudos para refletir a questão da negritude na Bíblia, como passos para uma outra forma de leitura conceituada (cf. Bíblia e Negritude: pistas para uma leitura afro-descendente”). Na formação de educadores e lideranças de pastorais parece existir uma postura de exigência por um maior respeito ao que se diz e no que se escreve, ou produz, enquanto objeto de formação – conhecimento, portanto.
E o que se estuda, ou se obtém desde verificados campos, uma questão parece ser bastante lógica: “transplantar modelos” de práticas pedagógicas e religiosas – para o ensino de história e cultura africana no Brasil – não seria correto e nem o mais indicado em nenhum dos casos. Seria quase que uma forma de “re-sincretização” cultural e religiosa, nos termos pejorativamente concebidos como práticas ultrapassadas e que hoje não podem ser aplicadas conscientemente.
Ideal, hoje, seria realizar uma construção local desde a realidade histórica (não de forma cíclica: passado, presente e futuro), geográfica (territorial) e religiosa. Mais que considerar os parâmetros das pesquisas estatísticas, o desafio seria não hegemonizar e nem homogeneizar as experiências. Por exemplo, a partir do Seminário Internacional Culturas e Desenvolvimento, em relação à diversidade religiosa na América Latina, percebemos que sobressaem-se às tradições européias religiosas no contexto escolar. Ou seja, em um estudo que fizemos sobre a questão pontual da Cultura, Educação e Religião, em percurso desde 1930, consideramos que a participação política dos afrodescendentes no resgate de sua cultura e na resistência como marca significativa no tecido social e religioso, sempre foi muito tímido e ocultado (que por não ter sido manifestado, no sentido de uma reparação histórica verdadeira, colhemos frutos). Contudo, outros aspectos elucidativos a respeito da realidade brasileira com suas estruturas econômicas e políticas com base no poder ‘sobre’ seres-humanos manifesta bem uma realidade marcante que vemos necessário uma melhor explanação para a implementação deste Ensino.

LUGARES DE RESISTÊNCIA E DIÁLOGOS AFROTEOLOGAIS
Praticamente em quase todo o litoral brasileiro constituiu-se estes espaços denominados como Quilombos que remetem a compreensões históricas anteriores e “ressurgidas” (um paralelo entre os termos “Kilombo” e “Quilombo” como possíveis conexões - cf. Maria Beatriz do Nascimento. O conceito de quilombo e a resistência cultural negra, 1995.). Esses espaços, como ‘lugares’ de onde as ‘falas’ são objetos para as teoafricanidades, foram e são formados por pessoas de ascendência africana que, através de diferentes maneiras, almejam a liberdade e seus direitos, resistindo ao processo de escravidão e, ainda, de colonização por séculos. Certamente por isso, também, o antropólogo K. Munanga, faz uma relação que aproxima o Quilombo brasileiro do Kilombo Africano: “é, sem dúvida, uma cópia do Kilombo africano reconstituído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra estrutura política na qual se encontravam todos os oprimidos” (Kabengele Munanga, 1995/1996, pp. 57-63).

Kabengele Munanga é hoje um dos pesquisadores que mais produz no aspecto de resgatar elementos da cultura africana no Brasil.
Hoje podemos fazer uma leitura importante sobre vários aspectos no processo dos “quilombolas” – ex-escravizados negros e seus descendentes brasileiros. Um destes elementos que queremos resgatar na ótica religiosa seria uma novidade ainda pouco difundida, explorada, ou seja: neste “outro modo de constituição social”, busca-se, desde sua origem, inserir também brancos pobres e índios que somavam a concretização do ideal que seria não reproduzir a dominação de uns sobre os outros, na forma até então experimentada como opressão. Podemos afirmar, por exemplo, que se começou com os quilombolas uma forma alternativa de organização social, tendo como princípio valores que já traziam desde as origens ancestrais, como prática de resistência, solidariedade e partilha. Ainda mais que se mantiveram outras formas de produção na esfera do colonialismo, de modo a se pensar na subsistência tal como percebemos ainda prosperar, adaptado ao contexto em que nos referimos. Então, podia-se notar que os quilombolas conseguiam não somente se organizarem por si mesmos dentro de suas comunidades, mas até expandir e comercializar suas “sobras da produção” aos brancos das vilas, que antes dependiam exclusivamente do trabalho escravo comercializado pelos “senhores de escravos” (como contrapor ou relacionar a mais-valia pela mão de obra escrava, também a mercadoria e moeda enquanto utilizada, explorada...). E vê-se ainda hoje, frutos desta resistência manifesta em suas artes, músicas, danças e todas as formas de expressões culturais e rituais, construídas por eles e mantidas até os nossos dias, em festas, celebrações e memória viva.

Algumas outras fontes e indicações bibliográficas que favorecem a compreensão e a pesquisa nestes aspectos desenvolvidos aqui e dentro do artigo (completo):






Um link sobre uma resenha do livro de Kwame Anthony Appiah:
http://pdf-esmanual.com/books/21430/appiah_kwame_anthony__na_casa_de_meu_pai__a_%C3%81frica_na_filosofia_.html


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Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

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