segunda-feira, 11 de julho de 2011

África é uma dívida histórica - comenta Jorge Risquet

Por Elaine Tavares – jornalista

Fazia um calor sufocante no solar onde viviam Jorge, os pais e quatro irmãos - outros três já tinham morrido de doenças infantis hoje já desaparecidas em Cuba e perfeitamente curáveis - em Havana.  A grande casa tinha 24 quartos e em cada um deles, sem banheiro, vivia uma família. Era gente demais, todos muito pobres, a maioria trabalhadores de diversos ofícios, alguns informais. O pai de Jorge trabalhava numa “tabaquera”, empresa de fabricação do charuto cubano. Mas foi essa babel que possibilitou ao menino de 11 anos começar a vida de professor, ganhando, inclusive, o suficiente para pagar o quarto onde morava a família toda. “Nós estávamos sempre nos mudando porque meus pais não conseguiam pagar os aluguéis”. Então, para ajudar nas despesas Jorge e a irmã improvisaram uma lousa no pequeno quarto onde viviam e ensinavam os demais garotos do solar que não podiam ir à escola, porque era longe e eles não tinha sequer um sapato para usar. Cobravam alguns trocados, mas com isso garantiam o aluguel.
O menino era Jorge Risquet Valdés, que mais tarde veio a ser um dos organizadores da educação na guerrilha cubana e um dos comandantes da campanha de Cuba na África, nos anos 60. Naqueles dias, ele, que era um dos melhores alunos da escola fundamental, já estava apto para passar ao ensino médio. Mas, para estudar na Cuba pré-revolucionária, era preciso ter dinheiro. Sem chance, ele, então com 13 anos, foi buscar os cursos oferecidos gratuitamente pela Juventude Revolucionária Cubana.
Apesar da pouca idade Jorge não era um analfabeto político. Os pais, trabalhadores do tabaco, tinham profunda consciência de classe. É que em Cuba, na produção de charuto era assim: as pessoas ficavam ali, enrolando as folhas, no mais completo silêncio. Por conta disso, os trabalhadores inventaram um bom jeito de se instruir e ficar por dentro da literatura revolucionária. Faziam uma “vaquinha” e contratavam um leitor, alguém que ficava ali, lendo, enquanto todos trabalhavam. “O leitor trazia uma lista de títulos e os trabalhadores escolhiam. Liam Gorki, Vitor Hugo, Cervantes Martí, Tolstoi e muitos outros”. Pois foi por conta destas leituras que a família Risquet sempre esteve em dia com os temas do mundo. O irmão mais velho de Jorge, inclusive, alistou-se para ir à Espanha lutar contra a ditadura de Franco. Cerca de mil cubanos foram. Então, durante a segunda guerra e o horror nazista, Jorge já estava envolvido até os dentes na organização da juventude revolucionária. Quando em 1944 funda-se em Cuba a Juventude Socialista, Jorge está lá e toma para si a tarefa de organizar os jovens num grande bairro de Havana. No ano seguinte, durante o Congresso Nacional Constituinte da Juventude, ele, com 15 anos, é eleito membro do Comitê Central.
Aos 16 anos de idade Jorge comanda o jornal quinzenal “Mella”, que levava o nome de um grande comunista cubano, e ali ficou até os 20 anos. “Os trabalhadores cubanos sempre foram muito politizados. Para se ter uma idéia, quando Lênin morreu, as tabaqueiras pararam em sua homenagem, e nas guerras de independência do século XIX entregavam dinheiro – um dia de salário por semana – para comprar armas, tarefa que realizava o partido Revolucionário Cubano, fundado por José Martí, para preparar a terceira e última guerra de independência de Cuba. Em 1951, quando acontece o golpe de estado que eleva Batista ao poder, Jorge é um dos que se manifesta contra pelo rádio, na região de Matanzas onde encabeçava a Juventude Socialista e a polícia o persegue. Meses mais tarde vai para o exterior como representante da Juventude Socialista cubana na  Federação Mundial da Juventude Democrática. Nesta função ele circula pela América Latina, Europa central e Leste europeu.
É em 1952, em Viena, na Conferência Mundial pelos Direitos da Juventude que Jorge conhece o jovem Raul Castro, então com 21 anos e representando a delegação cubana no evento.  Dali eles atravessam a cortina de ferro e seguem para Bucareste, onde iriam organizar o Comitê Preparatório do Festival Mundial da Juventude. Lá ficam de dezembro de 52 a abril de 53. Raul segue para Paris de onde embarca para Cuba com dois guatemaltecos. Mas, o fato de os dois companheiros terem desembarcado cheios de livros “subversivos” fez com todos acabassem presos. Os guatemaltecos logo saíram por intervenção da embaixada do seu país, ainda sob o comando de Jacob Arbenz. Mas Raul ficou. Foi um brilhante jovem advogado quem entrou com um habeas corpus que tirou Raul da cadeia pouco menos de um mês do ataque ao quartel Moncada, que desataria a revolução cubana. O advogado bom de conversa era Fidel Castro. “Por pouco Raul não perde a ação de Moncada”.
Quando acontece Moncada Risquet está Bucareste, justamente nos dias do IV Festival Mundial e já começa a articular uma campanha internacional pela libertação dos prisioneiros, afinal Raul era um membro da juventude e organizador do festival. Foi por aqueles dias de organização de campanhas e festivais que Jorge conhece, em Bucareste, o jovem estudante de medicina Agostinho Neto que mais tarde viria a ser uma das mais importantes lideranças de libertação da África negra. Junto com ele, freqüentando os alojamentos latino-americanos – embora representassem Portugal – iam também a Marcelino dos Santos.
Em 1954 Jorge embarca para Guatemala, onde ia organizar um festival regional de apoio ao processo revolucionário, mas o golpe e a queda de Jacob Arbenz, impede que o mesmo aconteça. É naqueles dias que Risquet conhece Che Guevara, então vivendo no país.  “A ditadura na Guatemala foi uma das mais ferozes. Foram 30 anos matando gente, mais de duzentos mil mortos”. Risquet logo sai da Guatemala em setembro de volta para Europa e Che segue para o México, onde encontraria Fidel.

Chê e Fidel

Nos primeiros meses de 1955, Jorge veio para o Brasil, onde tentou organizar um encontro de estudantes no Rio de Janeiro, mas foi espinafrado por Carlos Lacerda. Foi Jânio Quadros, então governador de São Paulo, quem permitiu o festival, que acabou sendo bem pequeno, mas cumprindo com os objetivos.

A guerrilha em Cuba
Todo este trabalho organizativo na juventude comunista desde os 13 anos de idade acabou sendo a porta de entrada de Jorge Risquet para a atuação na luta que se forjava em Cuba. No ano de 1955 ele volta para a ilha clandestinamente e passa a comandar a Juventude de Havana. Por conta de sua atuação acaba preso em dezembro de 56 e chega a ser dado como desaparecido. Nestes dias é brutalmente torturado, tendo as unhas arrancadas, mas não lhe arrancam qualquer informação. Quando consegue sair, volta a atuar clandestinamente organizando a juventude. Depois sai de Cuba, disfarçado, para organizar reuniões com os partidos comunistas no México, Caribe e Venezuela. “A idéia era dar a conhecer sobre Fidel, quem ele era, o que pretendia, e buscar apoio para a luta em Cuba”.
Quando a guerrilha é instalada na Sierra Maestra, logo começa a expandir-se para outras regiões do país. Raul funda então a “segunda frente” e manda buscar Risquet para coordenar a criação de uma Escola de formação. A proposta era tornar os rebeldes sujeitos conscientes sobre contra o quê estavam lutando. “A gente trabalhava no sentido de fazer compreender que o combate era contra o imperialismo. E, naqueles dias, sob o comando da “segunda frente” tínhamos mais de 11 mil quilômetros quadrados de território liberado. As escolas proliferaram”.
Jorge Risquet fez-se então o primeiro formador político do exército rebelde no Oriente e quando a revolução triunfou ocupou o cargo de chefe do Departamento de Cultura do Exército do Oriente publicando revistas e preparando quadros para o governo revolucionário. E assim foi até 1965, organizando, na região oriental, o novo Partido Unido da Revolução, hoje chamado Partido Comunista. Mas, no mês de junho, ele recebe um chamado de Fidel. Diz o comandante que Che Guevara está no Congo, ajudando na luta por libertação, e que precisa de mais uma coluna de combatentes por lá. É quando começa a se formar o batalhão Patrice Lumumba, que seria comandado por Risquet.

Patrice Lumumba inspirou o batalhão e a "missão afrocubana" na luta por independência


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Este espaço busca ser um lugar de interação com contribuições em temas relacionados às Culturas Afroameríndias, suas diversas manifestações e contextos. Nos campos de exposição, apresento em forma de reflexões alguns textos sociais, históricos, políticos, teológico-religiosos e educativos. Também o universo das artes e literaturas são outras referências, leituras e aprofundamentos, conforme este processo de interlocução dialógica em construção.
Agradeço-lhe pelo interesse em reconhecimento e atenção ao nosso trabalho!

Atenciosamente,
Reinaldo.

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